Correio braziliense, n. 19891, 07/11/2017. Política, p. 2

 

Cunha: "Compra do silêncio é armação"

Renato Souza 

07/11/2017

 

 

PODER EM CRISE » Em depoimento à Justiça Federal, o ex-presidente da Câmara diz que o Ministério Público se aliou ao empresário Joesley Batista para tentar derrubar Temer. Ex-deputado também criticou a atuação de Janot à frente da Procuradoria-Geral da República

Na 10ª Vara de Justiça Federal, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) resolveu partir para o confronto com o Ministério Público Federal (MPF). Ele prestou depoimento ontem ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, no processo que investiga fraudes no Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). Disse que o MPF se juntou ao empresário Joesley Batista, da JBS, para derrubar o presidente Michel Temer. Cunha disse que uma gravação entregue por Joesley ao MPF, em que o empresário conversa com Temer, no Palácio do Jaburu, sobre uma suposta compra de seu silêncio, “é uma armação”.

No áudio, entregue em maio deste ano pelo empresário da JBS aos procuradores, Temer diz a frase “mantém isso, viu”, após Joesley afirmar que “está de bem com Eduardo Cunha”. Em seu depoimento, o ex-deputado afirmou que as acusações de que ele recebeu dinheiro ilegal para não colaborar com a Justiça são falsas e criticou o trabalho do Ministério Público. “Não existe essa história de dizer que eu estou em silêncio ou que eu vendi o meu silêncio para não delatar. Isso foi dito para justificar uma denúncia que pegasse o mandato do Michel Temer. Essa é que é a verdade. O MPF deu uma forjada e o Joesley foi cúmplice”, acusou Cunha.

Em quase sete horas de depoimento, o peemedebista também criticou as denúncias que foram apresentadas contra ele pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “O que o Janot fez foi uma peça política para aparecer. Temos muitos procuradores bons no Ministério Público. Mas esse fez um trabalho para ganhar mídia e são públicas as desavenças que eu tive com ele”, completou o peemedebista.

Ele contrapôs as afirmações do doleiro Lúcio Funaro, que o apontou como o responsável por organizar a distribuição de propina para os demais envolvidos no esquema que lesou os cofres da Caixa Econômica Federal. “Eu não participei desse esquema, das reuniões e dos encontros que foram descritos pelo Funaro. O que ocorre é que estão citando meu nome para garantir delação. Eu estou igual o Posto Ipiranga, tudo é Eduardo Cunha. Falar meu nome era garantia de delação. Alguns exemplos são Fernando Baiano, Fábio Cleto. Todos que falavam de Eduardo Cunha tinham os maiores perdões nos acordos com os procuradores”, ressaltou.

Durante a audiência, Cunha e Funaro ficaram frente a frente. As oitivas do caso começaram no mês passado e o ex-presidente da Câmara foi ouvido pela primeira vez. Ele não poupou críticas contra o doleiro. “Ele é desprovido de caráter e não tem limites para baixaria. Fez várias afirmações que não são verdadeiras, inclusive no acordo de delação premiada”, acusou o político. Eduardo Cunha afirmou que vai pedir a anulação do acordo de colaboração que Funaro fechou com os procuradores da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na penúria

Ao ser perguntado pelo juiz Vallisney sobre qual é sua fonte de renda atual, Eduardo Cunha disse que está na “penúria” e alegou que não tem mais rendimentos por conta dos bloqueios da Justiça. “Infelizmente, neste momento eu não posso ter renda. Eu estou absolutamente sem renda. Meus bens estão bloqueados pela Justiça. Estou em situação de absoluta penúria. Estou com dificuldade até de pagar os honorários dos meus advogados”, argumentou o político.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), entre os anos de 2011 e 2015, Eduardo Cunha atuou em um esquema de cobrança de pagamentos ilegais a empresas beneficiadas pelos recursos do FI-FGTS, que são geridos pela Caixa Econômica Federal. As investigações indicaram que diversos políticos atuavam para influenciar na liberação dos recursos do programa em troca de propina. Entre os nomes apontados por envolvimento no esquema estão o do presidente Michel Temer, o do ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), que foi citado por Funaro e o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, que é réu no mesmo processo.

Henrique Alves também prestou depoimento e chorou durante todo o tempo. Ele é acusado de ter recebido dinheiro de propina por meio de uma conta na Suíça, fato que ele nega. “Eu abri uma conta no exterior por conta de ter me separado da minha esposa. Queria preservar parte do meu patrimônio e nunca recebi nada nessa conta por parte de ninguém”, contou. Com a voz embargada, o ex-ministro disse que não sabe a origem dos depósitos que foram encontrados na conta.

Em nota, a Caixa Econômica Federal informou que “está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração nas investigações, procedimento que continuará sendo adotado pelo banco”. O presidente Michel Temer informou que “refuta qualquer afirmação que aponte seu envolvimento com negócios escusos”. A defesa de Joesley Batista informou que “a colaboração apresentada pelo empresário enfrentou e esclareceu todos os aspectos de um esquema de corrupção sistêmica no país. Participaram da colaboração, que foi completa, detalhada e sem nenhuma omissão, todas as pessoas envolvidas nos atos ilícitos”. Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que não vai se pronunciar sobre o caso.

Entenda o caso

Distribuição de propina

» O Ministério Público Federal (MPF) afirma que um esquema de corrupção agiu no repasses de recursos do FI-FGTS entre 2011 e 2015. Em troca, políticos e agentes públicos envolvidos receberam propina.

» O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é acusado de determinar a distribuição de propina. O doleiro Lúcio Funaro seria o responsável por repassar o dinheiro ilegal, a mando do ex-deputado.

» Em maio deste ano, Joesley Batista apresentou uma gravação, em que o presidente Michel Temer teria dado aval à compra do silêncio de Eduardo Cunha. O objetivo seria evitar um acordo de delação premiada firmado entre ele e o MPF.

» Uma perícia realizada pela Polícia Federal apontou que a gravação não sofreu edições e que o conteúdo apresentado é verdadeiro.

» Lúcio Funaro disse, em depoimento, que o presidente Michel Temer tinha conhecimento dos repasses ilegais e recebeu R$ 2,5 milhões em propina. O presidente “nega categoricamente as acusações”.

» O FI-FGTS usa recursos do fundo público para investimentos em infraestrutura. Criado em 2007, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa tem como objetivo conceder empréstimos para empresas que tocam em obras em todo o país.

» Os recursos são geridos pela Caixa desde a criação desse tipo de incentivo. O Ministério Público suspeita que os desvios nos recursos destinados ao programa podem ter chegado a R$ 20 milhões.