O Estado de São Paulo, n. 45265, 22/09/2017. Política, p. A6.

 

Câmara recebe do Supremo 2ª denúncia

Rafael Moraes Moura / Breno Pires / Beatriz Bulla / Isadora Peron / Igor Gadelha

22/09/2017

 

 

Por 10 votos a 1, Corte negou pedido de Temer para que a tramitação do processo fosse suspensa até esclarecimento da delação da J&F

 

 

A Câmara dos Deputados recebeu ontem à noite a segunda denúncia oferecida na semana passada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, pelos crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa. A acusação formal agora terá tramitação igual à primeira, sendo analisada primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois em plenário. Para que a Casa autorize o prosseguimento do processo no STF são necessários 342 votos dos 513 deputados.

A denúncia foi encaminhada à Câmara pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, horas depois de a Corte ter finalizado o julgamento sobre o pedido da defesa de Temer para que o encaminhamento fosse suspenso até que fossem esclarecidos pontos obscuros da delação dos empresários do Grupo J&F, que fundamenta o pedido.

O placar terminou em dez votos pelo prosseguimento do processo e um contra. O voto divergente foi o do ministro Gilmar Mendes.

Apesar do placar, os votos proferidos ao longo de duas sessões plenárias mostram que se forma dentro da Corte um ambiente propício para questionamentos ao modelo de investigação do Ministério Público Federal (MPF). A avaliação interna é a de que o STF tem “encontros marcados” para tratar de questões que não foram aprofundadas no julgamento, como a possibilidade de terceiros questionarem delações das quais são alvo e de o MPF usar provas obtidas em acordos de colaboração que venham a ser cancelados.

 

Questionamentos. “A delação foi um instrumento que veio para ficar, e é importante que a gente tenha teses fixadas sobre o que se pode fazer ao receber uma delação, se é possível receber uma denúncia só com base em várias delações, se é preciso ter outros elementos, se terceiros podem questionar, se ela é rescindível mas, ao mesmo tempo, anulável antes mesmo da denúncia”, afirmou o ministro Luiz Fux.

Segundo ele, esses temas ficarão no ar até o STF revisitá-los, mas dificilmente haverá uma delação tão questionável quanto a do Grupo J&F. “Até porque esse exemplo já vai servir de baliza para o Ministério Público quando ajustar as delações e as colaborações”, disse.

Durante o julgamento, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski defenderam a possibilidade de delatados questionarem os acordos de colaboração dos quais são alvo, algo que até o momento é rejeitado na jurisprudência do STF.

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, usou jurisprudência de Toffoli para votar contra o pedido de Temer para suspender a denúncia. Em 2015, Toffoli foi seguido pelo plenário em voto que aponta, entre outras coisas, que, mesmo em caso de rescisão do acordo, as declarações do delator não perdem a validade. Pelo entendimento da época, também ficou estabelecido que não diz respeito aos delatados questionar acordos de colaboração.

Assim como Toffoli, Lewandowski mostrou preocupações quanto a vazamentos de delações. Há, segundo ele, “uma grande angústia no que diz respeito aos vazamentos seletivos dessas delações que atingem, sim, a honra de terceiros”.

 

Terceiros. Gilmar Mendes aproveitou para afirmar que a divulgação das delações tem repercussão sobre o direito de terceiros. Ele se posicionou a favor de uma revisão da jurisprudência do Supremo sobre a possibilidade de alvos de delações questionarem os acordos de colaboração premiada que lhes atingem. “Essa pessoa agora (delator) já está exposta como criminosa e ela autoriza a divulgação, mas essa divulgação repercute sobre direito de terceiro (delatado). E esse terceiro, segundo a nossa jurisprudência, nada pode fazer”, criticou Gilmar.

Apesar de votar pelo envio direto da segunda denúncia contra Temer ao Congresso, Cármen Lúcia afirmou que o STF não é apenas “menino de recados” para encaminhar a acusação formal para análise da Câmara. “Comungo de uma enorme preocupação para que o Supremo não seja apenas ‘menino de recado’, para usar uma expressão do ministro (Paulo) Brossard (morto em 2015). Numa determinada ocasião, em que já exista prescrição ou ausência de condições por atipicidade penal, não seria de se acionar a Câmara para algo que causa enormes transtornos às instituições para apenas sermos aquele que veicula o que vem da PGR sem qualquer assentimento”, disse.

Os ministros Celso de Mello e Dias Toffoli também apontaram que o Supremo poderia rejeitar, de antemão, uma denúncia enviada pela PGR contra um presidente da República se fossem verificadas irregularidades. Os três, no entanto, entenderam que este não seria o caso.

Encerrado o julgamento da questão de ordem, a Corte ainda declarou a perda de objeto em relação a outro pedido da defesa do presidente, para que a denúncia fosse devolvida à PGR, por trazer fatos anteriores ao período em que Temer assumiu a Presidência. Em decisão monocrática, Fachin disse que o fato de a denúncia citar fatos anteriores ao mandato não significa que Temer está sendo acusado por fatos estranhos ao cargo.

 

Relator. Edson Fachin na sessão do Supremo que concluiu julgamento sobre denúncia

 

‘Teses’

“A delação foi um instrumento que veio para ficar, e é importante que a gente tenha teses fixadas sobre o que se pode fazer (...), se é possível receber uma denúncia só com base em várias delações, se terceiros podem questionar, se ela é rescindível mas, ao mesmo tempo, anulável antes mesmo da denúncia.”

Luiz Fux

MINISTRO DO STF