O globo, n. 30873, 15/02/2018. PAÍS, p.3

ESTADO DE EMERGÊNCIA

CATARINA ALENCASTRO

JULIANA CASTRO

 

 

Após dois anos de pedidos, governo federal vai editar MP para socorrer Roraima

Roraima entrará oficialmente em “emergência social”. Após apelos do governo do estado, que vinham desde 2016, diante da imigração em massa de venezuelanos, o governo federal vai editar uma Medida Provisória (MP) para, entre outras ações, duplicar o efetivo militar na região.

O governo local afirma que os pedidos de ajuda já vinham sendo feitos, por meio de ofícios e reuniões, desde 2016, sem, no entanto, serem atendidos. Desde então, a situação se agravou, e o fluxo migratório só tem aumentado. Durante o ano passado, 40 mil venezuelanos entraram no Brasil pela fronteira com Roraima. Já este ano, somente em janeiro, foram 10 mil.

Além dos venezuelanos que chegam ao Brasil, há o impacto dos que estão nascendo aqui. Na única maternidade pública de Boa Vista, são feitos 15 partos de mulheres do país vizinho por dia.

Com milhares de cidadãos a mais, o governo de Roraima e o município de Pacaraima, porta de entrada dos venezuelanos no Brasil, têm relatado impacto em áreas vitais como Saúde, Segurança Pública e Educação. Depois da reunião ministerial de ontem para tratar do tema, o governo federal também anunciou que vai montar um hospital de campanha para atender quem chega ao país e criará um sistema de triagem que permitirá identificar qual tipo de assistência cada um precisa.

A MP com essas ações deverá ser publicada até amanhã, segundo o ministro da Justiça, Torquato Jardim. Com a decretação do estado de emergência social, a União pode enviar recursos e efetivo militar de forma imediata. Entre os pedidos apresentados pelo governo de Roraima a Michel Temer na ida do presidente ao estado, na última segunda-feira, estava a liberação de R$ 15 milhões.

 

CONTROLE DE FLUXO E CENSO

De acordo com o ministro, o objetivo não é barrar a entrada dos venezuelanos, mas organizar o fluxo e melhorar a assistência tanto para os estrangeiros, quanto para a população local.

— Haverá aumento de força armada, praticamente do Exército, em Pacaraima. Não para proibir a entrada de venezuelanos, o que seria contrário aos tratados de direitos humanos que o Brasil subscreve. Seria fazer uma seleção para saber quem está chegando e que tipo de ajuda cada um precisa. Uns precisam de assistência médica, outros já são mais qualificados para conseguir emprego — afirmou Torquato.

A partir da próxima segunda-feira, o IBGE e a Polícia Federal vão dar início a um censo para saber com mais precisão o número de venezuelanos que chegaram a Roraima por conta da crise no país natal. Atualmente, três abrigos do estado comportam 1.500 cidadãos do país vizinho — o dobro da capacidade. O gasto mensal para manter as unidades gira em torno de R$ 130 mil. Fora os que vivem nesses locais, praças em Boa Vista e Pacaraima estão cheias de venezuelanos que não têm onde morar.

Diante do problema, o governo local pediu que a União ajude os venezuelanos a rumarem para outros estados que poderiam absorvê-los como mão de obra. Eles entram no Brasil por meio da BR-74, na qual não há controle de fronteira. Também vêm por estradas clandestinas.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, que participou da reunião de ontem, disse que um general coordenará toda a operação proposta pela União. O efetivo militar se concentrará na fronteira e passará dos atuais 100 homens para 200. Ele anunciou que haverá postos de controle espalhados também pelo interior do estado. O ministro afirmou que haverá ainda um “conjunto volante” para ampliar o controle e monitorar as motocicletas que trafegam na região.

Ontem, agentes da Força Nacional foram enviados para reforçar o policiamento em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela. Cerca de 30 homens e oito veículos da tropa que estavam em Manaus foram deslocados para lá. Não há prazo definido de permanência da tropa.

— Estamos criando um check point. Ou seja, estamos criando outros postos de controle no interior de Roraima. Não vamos ficar apenas na fronteira. Além disso, estamos deslocando um helicóptero que vai fazer esse reforço caso seja necessário — disse Jungmann.

Outro pedido antigo do governo de Roraima é para que seja feito um controle sanitário de quem entra no Brasil. Isso porque, com o fluxo migratório, foram registradas doenças no estado que já haviam sido erradicadas, como o sarampo. Outra preocupação é a malária. Seis em cada dez casos são registrados em venezuelanos.

— Antes, para cada dez pacientes atendidos no nosso sistema de Saúde, dois eram da Venezuela. Depois da migração, isso se inverteu. Toda nossa rede está saturada — afirmou o coronel Doriedson Silva Ribeiro, coordenador estadual da Defesa Civil e integrante da força-tarefa que tem atuado para diminuir os reflexos do problema.