Correio braziliense, n. 19897, 13/11/2017. Opinião, p. 09.

 

Programa Escola sem Partido

Maria Francisca Pinheiro Coelho

13/11/2017

 

 

O  Programa Escola sem Partido, tão em voga ultimamente, se constitui, ao contrário do que propaga, a defesa de uma escola com partido, conservadora e autoritária, que anula o caráter crítico inerente à atividade educacional. Os dois projetos de lei, o do deputado Izalci Lucas Ferreira, n. 867/2015, e o do senador Magno Malta, n. 193/2016, são idênticos no conteúdo e na forma.

Supondo que as escolas atualmente sejam espaços de pregação político-ideológica da esquerda, propõem o controle do ensino por uma visão autoritária oposta ao direito inalienável da liberdade de expressão. A leitura desses projetos rememora o apelo da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, anterior ao golpe militar de 1964.

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome comum de uma série de manifestações públicas ocorridas no período que antecedeu e sucedeu o golpe, articuladas por setores contrários às ações populares democráticas. O golpe veio para interromper esse processo e com promessa de brevidade. Os militares permaneceram no poder por 21 anos, perseguindo, torturando e matando muitos daqueles que protestavam contra o status quo, cujas vítimas foram principalmente jovens estudantes.

É fundamental conhecer esses dois projetos, visitar o site do programa e ouvir os fundamentos dos seus defensores. A proposta não possui parâmetro de comparação com as leis em vigor no país sobre a educação, embora afirme estar em conformidade com o capítulo da Educação, da Cultura e do Desporto da Constituição Brasileira, elaborada no contexto participativo e democrático da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Entre os princípios da Carta Constitucional, estão o da liberdade da convivência entre escola pública e particular, liberdade de aprender e ensinar, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Sem dúvida os tempos eram outros e os tempos têm a própria linguagem. E aqueles foram marcados pelo espírito de luta, mas também da tolerância, esperança e democracia, valores predominantes à época.

No ensaio A ciência como vocação, o sociólogo alemão Max Weber definiu de forma lapidar que a instituição de ensino não é um espaço de demagogos e profetas. Referia-se aos políticos e religiosos. Ambos, para Weber, pelas próprias atividades, defendem modelos e crenças, visando convencer seguidores. Já a profissão do professor, ao contrário, é a de desenvolver nos alunos a capacidade de reflexão e de formação de um pensamento crítico. A única verdade da ciência é o pensamento lógico ou factual. No site do Programa Escola sem Partido, há referência a Max Weber, que mais confunde do que explica seu pensamento e sua defesa da ética da responsabilidade.

O professor tem a liberdade de cátedra, que significa a autonomia na transmissão e na produção do conhecimento. O pensamento, como o véu de Penélope, tecido e desfeito a cada dia, é sempre reflexivo. Para a ciência, uma evidência não passa de uma hipótese causal, sujeita a um processo de desconstrução. A pluralidade do conhecimento não pode ser controlada nem vigiada por qualquer sistema sob pena de acabar com a profissão do professor.

Os dois projetos propugnam pela sua incorporação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Constituem, se aprovados, uma repressão à carreira do professor, retirando-lhe a autonomia e a liberdade. Sugerem que se coloquem cartazes nas portas das salas de aula e nas salas dos professores determinando o que o professor pode e não pode fazer. Recomendam até o tamanho das letras dos cartazes.

Reivindicam um telefone público para registros de denúncias anônimas dos alunos contra os professores. São propostas de natureza persecutória de uma escola vigiada e punitiva. Constroem uma imagem do professor como profissional mal-intencionado, sem ética, que se aproveita da “audiência cativa dos alunos”, expressão usada várias vezes para inculcar ideologias. Enfim, são projetos que agridem não somente o papel do professor, mas a democracia brasileira e o Congresso Nacional.

O senador Magno Malta está no segundo mandato, é pastor evangélico e pertence a duas grandes frentes parlamentares: a Frente Parlamentar Evangélica, com 199 parlamentares, e a Frente Paramentar Mista da Agropecuária, com 222. O deputado Izalci está no terceiro mandato, pertence a essas duas frentes e também à Frente Parlamentar de Segurança Pública, constituída somente de deputados, com 240 integrantes, a maior frente parlamentar do Congresso Nacional. As três frentes juntas constituem a bancada da bíblia, do boi e da bala, o grupo majoritário do Congresso Nacional, que possui mais afinidades entre si do que os partidos políticos.

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MARIA FRANCISCA PINHEIRO COELHO

Socióloga, professora titular do Departamento de Sociologia da UnB