O Estado de São Paulo, n. 45245, 02/09/2017. Política, p. A4.

 

MPF quer anular delação de Delcídio e absolver Lula

Fábio Fabrini/ Beatriz Bulla / Fausto Macedo

02/09/2017

 

 

Lava Jato. Procurador acusa ex-senador de ‘mentir’ e afirma que silêncio de Cerveró, ex-diretor da Petrobrás, não interessava ao ex-presidente petista, mas ao próprio delator

 

 

O Ministério Público Federal em Brasília pediu ontem a absolvição do ex-presidente Lula e do banqueiro André Esteves na ação em que são acusados de tentar obstruir a Lava Jato. O procurador Ivan Cláudio Marx requereu à Justiça Federal que o senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS) perca os benefícios de seu acordo de delação premiada por “mentir” sobre fatos que levaram à abertura da ação contra os dois e mais cinco.

O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília pediu ontem a absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, na ação em que são acusados de tentar obstruir a Lava Jato. Em documento enviado à Justiça Federal, o procurador Ivan Cláudio Marx, responsável pelo caso, requereu que o senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS) perca os benefícios de seu acordo de delação premiada por “mentir” sobre os fatos que levaram à abertura da ação contra os dois e mais cinco réus.

A manifestação consta das alegações finais da Procuradoria da República na ação penal que tramita na 10.ª Vara do Distrito Federal e está próxima da fase de sentença. Marx concluiu que, após toda a fase de instrução do processo, não ficou provado que Lula e Esteves atuaram em 2015 para comprar o silêncio do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró e evitar que ele os implicasse em um acordo de colaboração com a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Para ele, o avanço da ação demonstrou que, diferentemente do que afirmava Delcídio, o silêncio de Cerveró “não foi encomendado ou interessava a Lula”, mas, sim, ao próprio ex-senador. O ex-parlamentar temia, segundo o procurador, que o ex-diretor da Petrobrás revelasse o pagamento, pela UTC Engenharia, de R$ 4 milhões em propina, dinheiro que foi usado em caixa 2 em sua campanha derrotada ao governo de Mato Grosso do Sul, em 2006.

Nos primeiros depoimentos, Cerveró chegou a ocultar esse pagamento e a informar falsamente que os valores tinham sido destinados à campanha presidencial de Lula naquele ano. Contudo, depois retificou sua versão e admitiu que estava tentando proteger Delcídio, por orientação de seu advogado, Edson Ribeiro, acusado de atuar em conluio com o senador cassado.

Marx manteve os pedidos de condenação de Delcídio e Ribeiro, além do pecuarista José Carlos Bumlai, do filho dele, Maurício Bumlai, e de Diogo Ferreira Rodriguez, ex-assessor do senador

cassado. Todos são acusados de participar da operação para financiar a família de Cerveró.

O MPF pede que, se condenado, Delcídio cumpra as penas por obstrução da Justiça e patrocínio infiel, sem ter vantagem. Ele ainda ficará sujeito a responder por imputação falsa de crime. O documento enviado à Justiça também requer que a PGR seja informada das “mentiras” para que avalie a possibilidade de perda total dos benefícios.

Polêmica. A manifestação do MPF alimenta a polêmica sobre a consistência das delações firmadas pela PGR no momento em que o Supremo discute se a Polícia Federal também tem

competência para firmar acordos de colaboração.

Os auxiliares do procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, alegam que a colaboração de Delcídio foi importante por ele ter sido o primeiro político a descrever o modus operandi da corrupção na própria classe. A PF vem defendendo um modelo de colaboração em que é o juiz, e não investigadores, quem define os benefícios ao colaborador, levando em conta os resultados obtidos na apuração dos crimes.

O Estado procurou os advogados de Delcídio, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição (mais informações nesta página).

Benefícios. Quando ainda senador, Delcídio foi preso em 2015 após ser gravado pelo filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, negociando pagamentos ao exdiretor, que estava na cadeia. Após firmar a colaboração, o ex-congressista deixou a prisão preventiva em regime fechado e passou ao regime domiciliar semiaberto. As penas de prisão ao ex-senador, nos processos em que é réu, foram limitadas a 15 anos. Além disso, ele pôde parcelar multas de R$ 1,5 milhão.

Delcídio afirmou que todo o dinheiro para Cerveró (cinco parcelas de R$ 50 mil) foi dado por José Carlos Bumlai, por intermédio de Maurício Bumlai, a mando de Lula. José Carlos e Maurício confessaram, porém, ter entregue R$ 100 mil, a título de “empréstimo”, a interlocutores de Delcídio.

Uma testemunha, no entanto, contou ter feito empréstimo pessoal ao ex-senador para ele quitar a quarta parcela. A quinta entrega, diferentemente do que disse o ex-congressista, não teria sido feita por Diogo Rodriguez, mas por ele próprio.