O globo, n.30847 , 20/01/2018. PAÍS, p.6

EM CURITIBA, CABRAL TEM MÃOS E PÉS ALGEMADOS

GUSTAVO SCHMITT

 

 

 

Rigor da Polícia Federal no deslocamento do ex-governador recebe críticas de juristas e de seu advogado

 

Ao ser levado da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde passou a noite, ao Instituto Médico-Legal, para fazer exame de corpo de delito, o ex-governador Sérgio Cabral teve as mãos e os pés algemados pelos agentes.

Cercado por policiais, Cabral caminhou com dificuldade da viatura até a entrada do instituto. Abatido e contrariado, o ex-governador reclamou a um dos agentes federais que as algemas e o cinto o machucavam.

A cena causou mal estar. A PF foi alvo de críticas de juristas e da defesa do ex-governador. Em nota, a corporação justificou que as algemas pretendiam “preservar a segurança” de Cabral, da população e de jornalistas que o aguardavam na porta do IML.

Apesar da alegação da PF, o uso de algemas nos pés não foi adotado com outros presos da Lava-Jato em Curitiba, como o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o exdeputado Eduardo Cunha. O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, se disse estarrecido:

— Sérgio Cabral está proibido de falar e com pés e mãos algemados. Esqueceram apenas de colocar o capuz e a corda. A defesa está indignada com tamanho espetáculo e crueldade.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto classificou o uso de algemas nos pés e mãos de Cabral como um “constrangimento jurídico ilegal e inconstitucional”.

— A Constituição proíbe esse tipo de tratamento desumano e cruel. As algemas para os pés só são admissíveis em situação em que há risco de fuga ou agressão — disse o ex-ministro.

Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da USP, também considerou que a PF errou ao algemar Cabral:

— Não havia risco de fuga, nem à integridade do ex-governador e de terceiros. Não deveria ser usada algema. Foi uma postura errada e com uma finalidade muito mais de usar isso publicamente e de querer transformar Cabral num símbolo do combate à corrupção.

O professor de Direito Penal explicou que a lei brasileira é falha com relação às algemas, mas ressalta que o STF editou uma súmula vinculante em 2007, na qual ficou estabelecido que o uso de algemas só é lícito “em caso de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”.

O constitucionalista e criminalista Adib Abdouni tem opinião diferente. Para ele, as regalias que Cabral recebia na cadeia do Rio justificam o tratamento ao ex-governador:

— A algema é necessária para que fique claro à população que a polícia não é conivente com o crime. Tudo isso é um zelo realizado pelo próprio delegado.

No primeiro dia no Complexo Médico-Penal de Pinhais, Cabral almoçou frango empanado, com arroz e macarrão. Segundo o Departamento Penitenciário, a refeição tem 900 gramas divididos entre 40% de proteína e 60% de carboidrato.

No complexo, onde estão presos outros dez presos da Lava-Jato, Cabral ficará até 30 dias numa cela sozinho, sem poder receber visitas de parentes. O encontro com advogados só poderá ocorrer no parlatório, onde o preso fala por telefone, separado do interlocutor por um vidro. Caso Cabral tenha bom comportamento, voltará a receber visitas em 15 dias.

 

AGRESSÃO A GAROTINHO

Após nova perícia no sistema de câmeras da Cadeia Pública de Benfica, o Ministério Público concluiu que há indícios de interferência humana na gravação das imagens do dia em que o ex-governador Anthony Garotinho relatou ter sido agredido.

Os peritos identificaram que três câmeras foram desligadas, e uma teve a imagem congelada. De acordo com o laudo, houve ausência de movimento com padrão de “interrupção”. Isso significa que houve saltos na contagem de tempo dos relógios das câmeras.

— O próprio reloginho (time code) mostrava que a gravação deu um salto grande no horário que estava estampado na tela onde nós estávamos assistindo — disse Maria do Carmo Gargalione, diretora da divisão de tecnologia do Ministério Público, ao site G1.

O MP vai ouvir novamente o ex-governador e os agentes penitenciários que trabalhavam naquela noite. A defesa de Garotinho disse que vai processar o estado e pedir à polícia que apure fraude processual praticada por agentes da Seap.