Correio braziliense, n. 19905, 21/11/2017. Política, p. 5

 

Provas colocadas em dúvida

Renato Souza 

21/11/2017

 

 

PODER » Fernando Segóvia criticou ação em que Rodrigo Rocha Loures foi flagrado carregando dinheiro, fundamental na denúncia contra Temer. Para o novo diretor da PF, “uma única mala não tem materialidade suficiente para encerrar uma investigação”

O novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, criticou os resultados de algumas operações e a atuação do Ministério Público Federal (MPF) na ação controlada que flagrou o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures carregando uma mala com R$ 500 mil em espécie em São Paulo. O flagrante foi usado como prova na denúncia do Ministério Público contra o presidente Michel Temer, por corrupção passiva, arquivada pela Câmara dos Deputados. Segóvia falou na primeira entrevista a jornalistas após tomar posse ontem. Afirmou que o combate à corrupção será prioridade, assim como ações contra o crime organizado.

Em uma cerimônia em que os discursos das autoridades soaram como mensagens, Segóvia defendeu a continuidade das investigações sobre políticos. “Faremos um combate incansável à corrupção no Brasil. Todas as ações vão continuar e se fortalecer, seja Lava-Jato, Cui Bono ou Cadeia Velha. Para isso, precisamos de uma Polícia Federal forte e unida. Hoje, infelizmente, existe uma disputa entre a PF e o Ministério Público. Mas vamos trabalhar para que esse assunto seja superado. Eu acredito na maturidade das instituições”, afirmou.

O presidente Michel Temer compareceu à cerimônia de posse, no Ministério da Justiça. No entanto, ele preferiu não fazer discursos. Em um tom enfático, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que “as investigações não podem ser baseadas em ilações”. Ele destacou os desafios da corporação na nova gestão. “A polícia não pode atuar com base em ilações. Isso só prejudica quem está atuando em nome do Estado. Temos ainda o desafio de ter uma polícia com novas tecnologias, novas estratégias e aliada com o século 21”, ressaltou.

A Polícia Federal conta atualmente com 11 mil homens. As equipes cuidam de 146 mil investigações nas 27 unidades da federação. Além disso, a corporação atua na fronteira, inibindo a entrada de drogas e armas no país. Nos últimos três anos, as investigações da instituição resultaram na descoberta do maior esquema de corrupção da história brasileira. A Operação Lava-Jato deve completar quatro anos de atuação no próximo ano, pois em vários estados, como no Rio de Janeiro, a atuação de forças-tarefas estão sendo prorrogadas.

Alvo

Segóvia não poupou críticas ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e destacou que algumas das condutas dele à frente do Ministério Público poderiam ser investigadas. Ele citou o caso da ação que flagrou o deputado Rodrigo Rocha Loures carregando uma mala com dinheiro. O Ministério Público apontou que o dinheiro seria usado para o pagamento de propina, e teria sido recebido a mando do presidente Temer. “Alguns fatos que ocorreram precisam de melhores explicações. Deve haver uma transparência para que o Brasil todo saiba como foi feita aquela investigação por parte do Ministério Público. Uma única mala talvez não desse toda a materialidade para saber se havia ou não crime, se havia ou não corrupção. É um ponto de interrogação que fica no imaginário popular. Quem impôs esse deadline (prazo final) foi a Procuradoria-Geral da República. Talvez ela possa explicar o que ocorreu naquele momento”, destacou o delegado.

Segóvia lembrou também que o empresário Joesley Batista, da J&F, fez operações com ações pouco antes de seu acordo de delação premiada com o Ministério Público ser divulgado. O delator também saiu do Brasil poucos dias após firmar o contrato de colaboração com os procuradores, em um momento em que ele era alvo de investigações. “Quando acontece o anúncio que expõe a investigação da PGR, se descobre em seguida que tanto Wesley quanto Joesley ganharam dinheiro no mercado de valores de uma maneira ilegal. Eles saíram do Brasil em um momento que estavam sendo alvos de investigação. Isso precisa ser mais bem explicado”, ressaltou Segóvia.

O ex-diretor-geral, Leandro Daiello, anunciou que, além de encerrar sua gestão à frente da PF, está se aposentando. Ele ficou quase sete anos no cargo. “Ser policial não é uma escolha fácil. Temos que abdicar de muitos assuntos pessoais para atender aos interesses da sociedade. Nos últimos anos modernizamos equipamentos, implantamos novas tecnologias e realizamos diversas operações”, afirmou.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapf), Luis Boldens, avaliou positivamente os objetivos do novo gestor da corporação. “Se tudo o que foi dito por Segóvia se cumprir, a Polícia Federal pode viver uma nova era”, disse. A J&F informou que não vai comentar as declarações do diretor-geral.