Correio braziliense, n. 19900, 16/11/2017. Política, p. 03.

 

 

Sem caminho alternativo

Paulo de Tarso Lyra

16/11/2017

 

 

PODER EM CRISE » País pode retomar estabilidade ao ocupar a capacidade ociosa da indústria. Mas tudo será efêmero sem mudanças na Previdência

 

 

O governo aposta no discurso de que precisa aprovar a reforma da Previdência para que a economia siga na retomada do crescimento celebrada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na visão do Planalto, a recuperação do país dará condições para que os indicadores permaneçam blindados da crise política e das oscilações provocadas por candidatos que estão à frente nas pesquisas de intenção de voto, caso de Luiz Inácio Lula da Silva e de Jair Bolsonaro. O problema é que as mesmas urnas que definirão o futuro presidente do país também selarão o destino da classe política em 2018.

Deputados e senadores, assim, sentem-se cada vez menos confortáveis para aprovar mudanças nas regras de aposentadoria. Quanto mais o tempo passa, menores as chances de aprovação. Por isso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alertou que as articulações precisam estar fechadas até esta semana. Temer deve esquecer o feriado se quiser votar a proposta na Câmara antes do término de 2017. Mas, sem a Previdência, a economia tem condições de continuar crescendo? Analistas acreditam que sim. Mas, a médio e longo prazos, não a um ritmo significativo.

“É possível a manutenção de um crescimento a curto prazo, pois existe capacidade ociosa na indústria. Com os atuais movimentos positivos, a tendência é de que a produção seja retomada e o governo consiga um crescimento do PIB na casa dos 3,5% a 4,2% no ano que vem”, admitiu o professor de Ciência Política do Insper, Carlos Melo. “É justamente nisto que o governo aposta: com a retomada da atividade econômica e do emprego, a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto) poderá se estabilizar”, acrescentou ele.

Pelos cálculos do governo, se aprovada a reforma nos moldes em que se desenha nas novas negociações, limitada à idade mínima (65 para homens e 62 para mulheres), diminuição do tempo de contribuição (25 anos para 15 anos) e estabelecimento de um teto de aposentadoria para o serviço público e iniciativa privada de R$ 5,4 mil, a economia para os cofres públicos ficará na casa dos R$ 400 bilhões em 10 anos, o que significa uma economia de R$ 40 bi/ano. “Mas o deficit está em R$160 bi. Significa que o sistema ainda ficará devedor em R$ 120 bilhões”, estimou Melo.

 

Descompasso

Para o professor do curso de finanças do Ibmec/DF José Kobori, não adianta o governo querer se enganar e achar que a economia manterá a trajetória de recuperação sem a aprovação de mudanças nas regras de aposentadoria. “Se a reforma não for aprovada, o governo terá de gastar mais do que arrecada e as contas vão estourar novamente”, alertou ele. Segundo ele, se isso acontecer, será gerado um ciclo vicioso que afundará novamente a economia brasileira. “O governo será obrigado a aumentar a taxa de juros, o que acabará por provocar mais inflação. Com inflação e juros altos, os indicadores vão se corroer aos poucos”, disse Kobori.

Como isso poderá afetar diretamente na retomada do PIB? “O cenário negativo vai gerar duas reações, a depender do tipo de pessoa. Aqueles mais humildes passarão a temer o desemprego, que ainda é alto e poderá retomar a trajetória de crescimento. E aqueles com mais condições vão preferir poupar a consumir, o que acabará por diminuir a capacidade de produção da indústria”, ponderou o professor do Ibmec.

A especialista em finanças públicas Selene Pereira Nunes defende que o país faça uma reforma da Previdência, mas faz questão de estabelecer várias ressalvas no debate que costuma ser travado publicamente. “Mudanças na aposentadoria não geram economias a curto prazo, mas sim, a médio e longo prazos. O que acontece? O mercado financeiro projeta na reforma a expectativa de que o governo é capaz de administrar as contas públicas com responsabilidade”, declarou Selene.

Ela afirmou que outras mudanças precisam ser feitas com mais urgência, como uma simplificação do modelo tributário brasileiro. “A atual estrutura de impostos também atrapalha a economia”, justificou ela. O Congresso tenta discutir, mais uma vez, uma reforma tributária. O tema está sob responsabilidade do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Selene acrescenta, no entanto, que outro debate precisa ser feito: o gigantismo do Estado brasileiro. “Dizem que o problema do deficit da Previdência é do servidor. Mas ele não pediu para ser contratado. Ele está lá porque o Estado contratou”, afirmou ela. “Está na hora de pensar qual o tamanho do Estado que queremos.