Correio braziliense, n. 19906, 22/11/2017. Brasil, p. 6

 

Aborto causa polêmica 

Natália Lambert 

22/11/2017

 

 

SAÚDE » Comissão tem embate entre deputados contrários e favoráveis à Proposta de Emenda à Constituição que pode impedir fim da gravidez em caso de estupro ou risco de a mãe morrer por complicações, como ocorre hoje. Para presidente da Câmara, mudança não passará

Em sessão marcada por embates, gritos e xingamentos, a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 181/15 segue a tramitação na Câmara dos Deputados. Originalmente criada para ampliar a licença-maternidade de mães de bebês que nascem prematuros, o texto estabelece que a vida deve ser preservada “desde a concepção” e pode criminalizar os casos de aborto legal previstos no Código Penal, entre eles, a gravidez decorrente de um estupro. O texto-base da PEC já foi aprovado pela comissão especial no início do mês, mas deputadas contrárias à matéria pretendem usar o regimento para postergar ao máximo a votação em plenário. Uma nova sessão está marcada para hoje, às 11h.

Em meio a cartazes e xingamentos dos dois lados que gritavam “abortistas” e “misóginos”, a reunião que votaria destaques ao texto começou tumultuada. Policiais legislativos tiveram de controlar os militantes que se enfrentavam em plenário. O presidente do colegiado, deputado Evandro Gussi (PV-SP), tentou costurar um acordo com a deputada Érika Kokay (PT-DF) para que o texto pudesse ter seguimento, mas não houve consenso.

Segundo o relator da PEC, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), houve uma proposta de alteração do texto para incluir a ressalva nos casos de estupro e risco de vida da mãe, mas não houve aceitação. “Já votamos o texto, mas faríamos um acordo. Se o problema é o estupro, o risco de vida, se todo mundo concordasse, a gente daria um jeito de mudar. Mas elas não querem, porque o pano de fundo, na verdade, é a tentativa de legalizar o aborto até as 12 semanas de gestação e com isso não dá para concordar”, comentou.

Inclusão

Mudalen conta que a decisão de incluir o trecho “desde a concepção” na emenda à Constituição tem a intenção de barrar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 no Supremo Tribunal Federal (STF), que pede descriminalização do aborto até a 12ª semana gestação. O relator esclarece que o texto não muda o Código Penal. “Não mexo em absolutamente nada disso. Coloquei “na concepção” por causa da ADPF do Supremo. É uma questão de princípio. Hoje, com dois meses de gravidez, já se sabe o sexo do bebê. Você tem uma vida e é inaceitável interrompê-la, mas não trato de estupro ou risco de vida à mãe. Tenho mulher, tenho filha, jamais colocaria um tema desses”, afirmou. Entretanto, em seguida, o parlamentar pondera que o estupro é um “problema do governo, que tem que fiscalizar e evitar o máximo”.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirma que a tentativa de acordo foi “uma farsa”. “Eles não propuseram isso formalmente. Não apresentaram um texto. O que eles fizeram foi um espetáculo para tentar mostrar que eles não querem mexer no Código Penal. Se eles têm essa intenção de acordo, por que não apresentaram a proposta, o substitutivo?”, questiona. Para a deputada, o que a comissão especial está fazendo é um desrespeito ao regimento interno, à Constituição, às mães de bebês prematuros e aos próprios bebês.

“Não podemos permitir esse precedente. As assinaturas da PEC foram em apoio ao aumento da licença-maternidade dos bebês prematuros. A CCJ apreciou a admissibilidade dela com esse intuito. Se utilizaram disso, em desrespeito às mães de bebês prematuros e aos bebês, para embutir o profundo retrocesso no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, comentou Erika Kokay. Após a votação dos destaques, o texto será apreciado pelo plenário. No último dia 10, o presidente Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a proposta tem de ser tratada com cuidado, pois proibir aborto em caso de estupro “não passa na Câmara”.