Título: Nova regra só vale para as futuras MPs
Autor: Abreu, Diego ; Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2012, Política, p. 4

Supremo retira o efeito retroativo da decisão tomada na quarta-feira sobre a tramitação das medidas provisórias, para evitar que 466 leis se tornem inconstitucionais

As 466 medidas provisórias convertidas em lei desde 2001 pelo Congresso Nacional não correm mais o risco de serem declaradas inconstitucionais. Um dia depois de fixar que as MPs precisam obrigatoriamente ser apreciadas por uma comissão mista de senadores e deputados antes da votação em plenário, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram atrás e definiram que o entendimento será válido somente para as normas editadas a partir de agora.

O caso voltou a ser debatido ontem após a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentar uma questão de ordem sugerindo um prazo para que o Congresso se adequasse à decisão. O Supremo então manteve o entendimento de que a resolução do Congresso que dispensa a análise das MPs por uma comissão mista é inconstitucional. No entanto, ponderou que, em razão da segurança jurídica, a decisão não irá mais atingir medidas provisórias já convertidas em lei.

Na quarta-feira, por sete votos a dois, a Suprema Corte havia declarado a inconstitucionalidade da lei que criou, em 2007, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Os ministros, porém, estabeleceram um prazo de 24 meses para que o Congresso aprovasse uma nova norma que pudesse garantir a sobrevivência do órgão. Ontem, todavia, ao analisarem o pedido da AGU, revogaram a decisão que atingia o ICMBio.

"Consideramos a lei que criou o Instituto Chico Mendes inconstitucional e todas as outras leis que não obedeceram ao processo legislativo. Entretanto, em razão das consequências da decisão, que acabaram gerando uma grave insegurança jurídica, o entendimento só prevalecerá para as novas medidas provisórias", disse o relator do caso, Luiz Fux. Ele aviou que por uma questão de coerência a lei que criou o ICMBio foi "salva".

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, alertou que as 50 MPs que tramitam atualmente também ficariam em risco com a interpretação do Supremo. O presidente da Corte, Cezar Peluso, esclareceu que elas não serão atingidas, mas somente as futuras MPs.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, a indefinição em relação às MPs colocaria em risco até as pretensões econômicas no país. Ele foi o único a votar contra a mudança no rito das MPs. Na ocasião, Marco Aurélio Mello também ficou vencido no julgamento, uma vez que, embora tenha seguido em parte o voto da maioria, não estabeleceu o prazo para o Congresso recriar o ICMBio.

Segundo Gilmar Mendes, ao rever a decisão o Supremo evitou um clima de insegurança. "De fato a situação é muito grave, talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado, tendo em vista que a dimensão vai muito além do que o caso que foi objeto da discussão."

Repercussão Apesar de livrar o governo do risco de ter questionadas todas as medidas provisórias aprovadas desde 2001, quando uma emenda estabeleceu a apreciação das MPs por comissão mista, o novo posicionamento do Supremo ainda foi alvo de críticas do líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). "É um avanço, mas não é uma solução satisfatória, ainda", observa o líder. Ele demonstrou especial preocupação com a MP que aportou R$ 100 bilhões ao BNDES e com a que autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a adquirir carteiras de instituições financeiras menores.

O problema apontado agora é a tramitação nas comissões mistas que analisarão os requisitos de urgência e relevância. Na opinião de Vaccarezza, essas comissões serão alvo fácil de obstrução por parte dos parlamentares contrários às MPs. "Mesmo essa fórmula nova vai apresentar problemas porque, na hipótese de uma comissão passar 14 dias obstruída, nós seremos obrigados a chamar a medida para apreciação em plenário", afirma. Os ministros do Supremo afirmam que o prazo de 14 dias não precisará ser observado, de modo que o Congresso pode alterar esse período.

O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), alerta que as comissões terão que ter mais cuidado com os prazos regimentais. Já o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), avisou que o Senado cumprirá a regra. "Essas comissões (mistas) já existem, mas agora com a decisão do Supremo evidentemente que elas vão ter que se reunir. A decisão, de certo modo, prestigia o Congresso na tramitação das medidas provisórias."

A oposição, contudo, comemorou a decisão do STF. "O Supremo, como guardião da Constituição, fez valer uma regra que o Congresso tratava com desdém", diz o líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE). "A nova decisão do STF evitou uma tsunami de ações de inconstitucionalidade que iriam causar uma situação de instabilidade jurídica", acredita o líder. "Agora, para frente, temos a certeza de que, com uma relação madura das instituições, os presidentes da Câmara e do Senado irão obedecer ao rito e instalar as comissões", diz Araújo.

Como fica Confira as etapas da tramitação das medidas provisórias

As medidas provisórias (MPs) têm força de lei já a partir do momento em que são editadas e vigoram por 60 dias, prorrogáveis por mais 60.Com a nova regra, os líderes partidários no Congresso têm prazo de seis dias para indicar os integrantes da comissão mista, composta por deputados e senadores, que analisará os requisitos de urgência e relevância da medida provisória.A comissão, então, terá 30 dias de prazo para discutir a medida provisória, analisar e votar o parecer sobre a MP.Aprovado o parecer, a MP segue para votação no plenário da Câmara e, depois, direto para o plenário do Senado. A partir de 45 dias, passa a trancar a pauta da Casa. Se aprovada na Câmara depois desse prazo, ela já chega ao Senado trancando a pauta.Se a medida provisória passar pela Câmara e pelo Senado sem qualquer modificação, é promulgada. Se sofrer mudanças, terá que ser submetida à sanção presidencial, com possibilidade de veto

Colaborou Gabriel Mascarenhas