Correio braziliense, n. 19914, 30/11/2017. Política, p. 4

 

Uma data para esquecer

Natália Lambert e Renato Souza 

30/11/2017

 

 

PODER » Um ano atrás, Câmara desfigurava o projeto de 10 medidas de combate à corrupção. Proposta está parada na CCJ do Senado

Há um ano, enquanto o país acompanhava atordoado as notícias sobre o avião que caiu na Colômbia com o time de futebol da Chapecoense, no qual morreram 71 pessoas e 6 ficaram feridas, a Câmara estendia até a madrugada a votação do Projeto de Lei nº 4.850/16, proposto pelo Ministério Público Federal (MPF), que criava 10 Medidas de Combate à Corrupção. Do texto original, sobraram quatro propostas, e com alterações: medidas de transparência aos tribunais; criminalização do caixa dois; aumento de pena para a corrupção e limitação de recursos para protelar o cumprimento da sentença.

Um dos idealizadores do projeto, o procurador da República Deltan Dallagnol lembrou a data ontem no Twitter. “Há um ano, a Câmara dos Deputados desfigurou propostas anticorrupção e aprovou projeto a favor da corrupção. Foi um projeto contra supostos abusos de autoridade, mas que, na verdade, continha regras que amarravam investigações de poderosos, como bem acusou o Correio Braziliense”, publicou destacando a capa do jornal do dia seguinte.

À época, a atitude dos deputados revoltou membros do Ministério Público e do Judiciário, que ressaltaram o apoio popular da matéria. O texto contou com a assinatura de mais de 2 milhões de pessoas. Relator da proposta na comissão especial, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) saiu do plenário derrotado. “Foi uma tragédia. Havíamos aprovado a proposta original na comissão por unanimidade, e aí os partidos fizeram uma vendeta contra as 10 medidas. Emendas foram acrescentadas para punir e calar juízes e procuradores. Uma forma de se vingar da Lava-Jato”, lamenta.

Mas o deputado ainda tem esperanças. “O parlamento teve a chance de caminhar de mãos dadas com a sociedade e perdeu a oportunidade. Mas o projeto não morreu. Perdemos uma importante batalha, saímos feridos, mas temos chance. Vamos levar a discussão ao debate presidencial”, afirma Onyx. Depois da votação, por causa da desfiguração, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou que a Câmara reexaminasse a proposta, que retornou ao Senado em 29 de março deste ano e, desde então, dorme nas gavetas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Além dela, outros projetos, que retomam o texto original do MPF, aguardam tramitação na Casa.

Questionado pelo Correio, o presidente da CCJ, senador Edison Lobão (PMDB-MA), afirmou que nomeará um relator para o projeto na próxima semana e ele será votado no ano que vem. Apesar da promessa, senadores não acreditam que o tema será debatido nesta legislatura. “Os senadores não vão aprovar aquilo que veio da Câmara e muito menos o projeto original do MPF. Ou seja, para que a gente vai mexer nisso?”, afirma um petista que prefere não se identificar. Autor de 10 emendas para restaurar a proposta, Lasier Martins (PDT-RS) também duvida que os colegas discutirão o tema em ano eleitoral. “Estão segurando, protelando e será cada vez mais difícil. Mutilaram profundamente o projeto para dar o título de 10 medidas contra o abuso de autoridade”, comenta.

Presidente do Senado à época, Renan Calheiros (PMDB-AL) simbolizava ontem em plenário a falta de disposição da Casa em votar a matéria do MPF. O senador pediu a palavra para repudiar a fala de Dallagnol de que “2018 é a batalha final para a Lava-Jato”. O ataque generalizado sobre o Congresso fecha portas, corrompe espíritos e esconde verdades sobre a atuação em prol da população e do combate ao crime organizado”, afirmou. “É importante lembrar que, em 1988, quando o procurador Deltan Dallagnol mal havia abandonado as fraldas, o Congresso promulgava a Constituição Federal, inserindo o Ministério Público entre as funções essenciais à Justiça”, acrescentou.