O Estado de São Paulo, n. 45262, 19/09/2017. Política, p.A8

 

 

 

Planalto vê Geddel instável e com chance de delatar

Aliados do governo dão como certo que o ex-ministro tente, em breve, acordo de colaboração premiada com o Ministério Público

Por: Carla Araújo / Tânia Monteiro

 

Carla Araújo

Tânia Monteiro / BRASÍLIA

 

O Palácio do Planalto se preocupa hoje mais com a possibilidade de o ex-ministro Geddel Vieira Lima, preso desde o dia 8, fechar um acordo de delação premiada do que com a nova denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República na semana passada contra o presidente Michel Temer.

A avaliação de auxiliares próximos a Temer é de que a segunda acusação formal oferecida pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que acusa o presidente de liderar uma organização criminosa e de obstruir a Justiça, terá um placar mais favorável que a primeira acusação quando chegar ao plenário da Câmara dos Deputados. Em agosto, quando a Procuradoria denunciou Temer por corrupção passiva, 263 deputados votaram por barrar o prosseguimento da acusação.

Já em relação a Geddel, a avaliação no Planalto é de que a situação é “praticamente incontornável” depois que a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador, onde foram identificadas as impressões digitais do ex-ministro.

Até a primeira prisão do exministro, no dia 3 de julho, baseada em depoimentos do corretor Lúcio Funaro e de sua mulher, Raquel Pitta, a avaliação era de que seria possível obter sucesso na defesa técnica, uma vez que não existiam provas concretas da tentativa de obstrução da Justiça.

A apreensão do dinheiro, entretanto, segundo os investigadores, jogou por terra o discurso da defesa de que as acusações eram versões de delatores interessados em benefícios. Os R$ 51 milhões materializaram as provas necessárias para sustentar as afirmações dos colaboradores. A homologação da delação de Funaro fortaleceu a tese da acusação contra Geddel.

Além disso, o ex-diretor de Defesa Civil de Salvador Gustavo Pedreira, apontado como homem de confiança de Geddel, cujas impressões digitais também foram encontradas no apartamento, afirmou estar disposto a colaborar com as investigações. Ele já confirmou ter buscado dinheiro em São Paulo a pedido de Geddel. Não está descartada a possibilidade de o ex-ministro ser alvo de outras denúncias.

 

Distanciamento. Geddel, ao lado de Temer, fazia parte do núcleo duro do PMDB, que inclui os atuais ministros e também denunciados Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). O Planalto avalia que Geddel é temperamental e emotivo e, por isso, não aguentaria muito tempo na prisão. Essas características, disse um auxiliar, podem aumentar ainda mais as chances de o ex-ministro fornecer informações em troca de benefícios.

Apesar disso, o discurso no governo é de que, se Geddel fechar acordo de colaboração premiada, não haverá nada de comprometedor contra o presidente. Ainda assim, a ordem no Planalto tem sido se distanciar ao máximo do ex-ministro. Desde que foram descobertos os R$ 51 milhões, os principais interlocutores do presidente evitam o assunto ou, quando abordados, dizem que ele não tem relação com o Palácio do Planalto.

Procurada, a defesa de Geddel não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

 

Comissão de Ética

Colegiado da Presidência abriu dois processos contra o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral) em razão da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República. Moreira não se manifestou.

 

TRAJETÓRIA

DE MINISTRO DE TEMER A PRESO NA OPERAÇÃO LAVA JATO

1 Ministro

Geddel Vieira Lima, um dos políticos mais próximos de Temer, assume a Secretaria de Governo em maio de 2016.

 

2 Demissão

Após repercussão por ter pedido ao então ministro da Cultura para aprovar obra, Geddel se demite em novembro.

 

3 Prisão

Ex-ministro é preso no dia 3 de julho sob acusação de tentar obstruir a Lava Jato e é transferido para a Papuda, em Brasília.

 

4 Regime domiciliar

Desembargador determina que Geddel vá para prisão domiciliar em Salvador, mesmo sem tornozeleira eletrônica.

 

5 ‘Bunker’

Polícia Federal prende ex-ministro no dia 8, depois da descoberta de “bunker” com R$ 51 milhões atribuído a ele.

 

 

 

 

 

Colaboração da OAS chega ao Supremo

 

BRASÍLIA

 

Um dia depois de ter apresentado denúncia contra o presidente Michel Temer pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça e antes de deixar o cargo, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot encaminhou ao Supremo Tribunal Federal na sexta-feira passada a delação premiada de oito executivos da construtora OAS, acusada de participar do esquema de corrupção investigado na Operação Lava Jato.

A informação foi antecipada pelo jornal O Globo. Em agosto do ano passado, Janot havia suspendido as negociações da delação premiada de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, após vazamento de informações sobre as tratativas entre o empresário e os investigadores da Lava Jato. Procurada pela reportagem, a OAS não se manifestou.

A delação premiada da OAS atinge os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos do PT), além de aliados do presidente Michel Temer, segundo fontes com acesso às investigações.

O conteúdo da delação ainda será analisado pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte, que trabalhou ontem em Curitiba e só despachará do seu gabinete hoje. A colaboração foi encaminhada ao Supremo porque envolve autoridades com foro privilegiado – caberá a Fachin decidir se homologa ou não o acordo dos executivos da empreiteira.

 

 

 

 

Jungmann pede explicações sobre declaração de general

Em palestra, Antonio Mourão defendeu possibilidade de intervenção militar diante da crise no País
Por: Tânia Monteiro

 

BRASÍLIA

 

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou ontem o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para pedir explicações após a repercussão negativa das declarações do general da ativa Antonio Hamilton Martins Mourão.

O Exército tenta contornar a situação, já que Mourão tem uma forte liderança na tropa. Na sexta-feira passada, em palestra, o general da ativa defendeu a possibilidade de intervenção militar diante da crise enfrentada pelo País, caso a situação não seja resolvida pelas próprias instituições.

Por meio de nota, o ministro da Defesa afirmou que também orientou o comandante “quanto às providências a serem tomadas”, mas não explicou quais seriam essas medidas.

No fim de semana, ao tomar conhecimento das afirmações, Jungmann relatou o fato ao presidente Michel Temer e avisou que deixou nas mãos do comandante a decisão sobre como conduzir o caso. O general Villas Bôas ouviu as explicações do general e disse ao Estado que o problema estava “superado”. Mourão já protagonizou outro desconforto político em outubro de 2015, quando criticou o governo da presidente cassada Dilma Rousseff. Pelo Regulamento Disciplinar do Exército, o general pode ser punido por dar declarações de cunho político, sem autorização de seu superior hierárquico.

A decisão do comandante do Exército foi interpretada como uma tentativa de abafar o caso e não teria agradado a Jungmann. O ministro esperava algum tipo de sinal de que esse tipo de declaração não pode ser tolerado. De acordo com integrantes do Alto Comando, Mourão está exatamente a seis meses de deixar o serviço ativo.

 

Punição. Em 2015, por causa de suas declarações, o general Mourão chegou a perder o Comando Militar do Sul e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças, um cargo burocrático. Agora, diante da pressão política, ele pode ser retirado de sua função, como medida paliativa para que seu gesto não sirva de “incentivo” a outras manifestações semelhantes.

O assunto, no entanto, ainda está sendo objeto de discussão, porque há quem entenda que puni-lo poderia levar a uma leva de solidariedade no Exército, criando um clima político considerado “desnecessário”./T.M.

 

Reunião. Jungmann convocou comandante do Exército

 

‘Impor isso’

“Ou as instituições solucionam o problema político ou então nós teremos que impor isso.”

Antonio Mourão

GENERAL DO EXÉRCITO, NA SEXTA-FEIRA

 

 

 

 

Advogado foragido ‘lavou’ dinheiro na Galícia, diz Espanha

Rodrigo Tacla Duran é suspeito de montar empresas de fachadas para pagar políticos no Brasil
Por: Jamil Chade

 

Jamil Chade

ENVIADO ESPECIAL / ANDORRA

 

Investigações conduzidas pelas autoridades de Andorra e da Espanha apontam que o advogado Rodrigo Tacla Duran usou povoados na região da Galícia como sede de empresas de fachada que fizeram transações milionárias e pagamentos a políticos. Os dados fazem parte de processos obtidos pelo Estado que estão em andamento na Justiça de Andorra. Os documentos também confirmam que os bancos do principado já sabiam da relação entre as empresas de fachada e a Odebrecht desde 2011.

Considerado foragido pelas autoridades brasileiras, ele acabou sendo detido em hotel de luxo de Madri. Mas, para evitar uma extradição, Tacla Duran teria se oferecido para cooperar com as investigações e, na esperança de obter informações sobre empresas espanholas, o Ministério Público local iniciou um processo de aproximação.

Na semana passada, o Estado mostrou que ele movimentou, por meio de suas empresas, mais de R$ 100 milhões, entre 2010 e 2014. Boa parte desse montante foi repassada por empresas investigadas na Operação Lava Jato, conforme relatório do Ministério Público Federal. Os valores não contabilizam os repasses da Odebrecht, para quem, segundo a própria empreiteira, Tacla Duran atuava como operador financeiro no exterior.

Por enquanto, os dados repassados pelo Brasil às autoridades espanholas indicam que ele estaria envolvido em onze empresas de fachada. Elas teriam sido criadas para realizar pagamentos de propinas. O dinheiro ainda passava por contas em Cingapura, Suíça e no Panamá.

Mas uma das principais suspeitas aponta para propinas pagas usando contas secretas em Andorra e empresas em pequenas cidades do norte da Espanha. Uma das empresas de fechada administradas por Tacla Duran era a Vivosant Corporation, pela qual se suspeita que tenham passado mais de 17 milhões de euros (R$ 63,4 milhões). Ela recebeu em uma conta secreta em Cingapura em 2010 pelo menos 12 milhões de euros (R$ 44, 7 milhões) da Constructora Internacional del Sur, apontada na Lava Jato como peça importante no esquema de distribuição de propinas na América Latina.

Teria sido por meio da Constructora que o ex-executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio, detido em Genebra em fevereiro, teria também pago propinas e movimentado mais de US$ 40 milhões (R$ 125 milhões). No registro comercial espanhol, a empresa Vivosant se apresenta como uma “consultoria e projetos de reciclagem industrial”. Sua sede está na rua Manuel Quiroga, na pequena cidade de Pontevedra, na Galícia.

Outra empresa de fachada que também é suspeita de ter sido utilizada como mecanismo de pagamento de propinas foi a Gvtel Corporation, supostamente do setor de telecomunicações. Sob a gestão de Tacla Duran, a empresa registrou transações de quase US$ 30 milhões (R$ 93,7 milhões).

 

Praia. O que chamou a atenção dos investigadores é que a empresa teria seu endereço na praia de Poio, também na Galícia e com apenas 16 mil habitantes. Os investigadores de Andorra indicam que Tacla Duran queria “abrir em Andorra o serviço de faturação para o Brasil, que o daria uma empresa do grupo Odebrecht, por meio de um contrato de assessoria financeira”.

 

Lava Jato

R$ 100 mi

teriam sido movimentos por empresas de fachada comandadas por Tacla Duran entre 2010 e 2014, aponta investigação