Título: Em caso de divórcio, a casa fica com elas
Autor: Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2012, Brasil, p. 8

Governo anuncia mudanças em programa habitacional para favorecer o público feminino. Mas recua na proposta de punir quem não equiparar salários aos dos homens

Em edição extraordinária do Diário Oficial no Dia Internacional da Mulher, a presidente Dilma Rousseff anunciou mudanças no programa Minha Casa, Minha Vida que favorecem as chefes de família. Desde ontem, a propriedade da residência adquirida por meio do programa fica obrigatoriamente com as mulheres em caso de divórcio ou de dissolução de união estável. A mudança será válida para os favorecidos pelo programa que têm renda de até R$ 1,6 mil, faixa na qual o governo subsidia a maior parte do valor da casa (veja Para saber mais). A decisão, que será implementada por meio de medida provisória, tem apenas duas exceções: nos casos em que a guarda dos filhos ficar exclusivamente para o marido, é o homem quem tem a garantia da residência. E, quando o contrato envolver recursos do FGTS, a regra também não valerá.

A medida dividiu opiniões. O professor de direito civil da Universidade de Brasília Frederico Viegas explica que a mudança fere dois princípios constitucionais: o da livre disposição de bens e o da dignidade da pessoa humana. "Se fosse uma doação, eu até admitiria que poderia fazer, porque seria gratuito. Mas a partir do momento em que eu coloco meu dinheiro, meu suor naquilo ali, aquilo também é meu", defende.

O professor esclarece que, caso alguém apresente uma ação no Supremo Tribunal Federal, a medida pode ser questionada pela Corte. Viegas acredita que a mudança pode ter impacto negativo nas relações familiares. "As pessoas não vão querer se separar para não perder a casa. É muito preocupante questões familiares estarem ligadas a patrimoniais."

"Falso triunfalismo" Em pronunciamento oficial na noite de ontem, Dilma lembrou que os programas sociais do governo já procuram beneficiar as chefes de família. Atualmente, 93% dos cartões do Bolsa Família estão em posse de mulheres, o que representa 19 milhões de cidadãs. No Minha Casa, Minha Vida, 47% dos contratos estão em nome de mulheres e, desde o ano passado, existe a orientação para que a escritura seja feita no nome delas.

Apesar de não ter citado a medida provisória especificamente, Dilma ressaltou que não se pode aceitar o "falso triunfalismo" de se ter eleito uma presidente mulher e nem se render ao "amargor derrotista". "Sei que uma mulher que chegou à Presidência com milhões de votos de brasileiros e de brasileiras não poderá jamais ter uma atitude ressentida contra os homens. Mas sei, muito especialmente, que uma presidenta não pode ter uma política tímida, ultrapassada e meramente compensatória para as mulheres."

A presidente também destacou avanços que as mulheres conseguiram conquistar nos últimos anos. Atualmente, 40% das famílias são chefiadas por mulheres, percentual que não chegava a 25% há 10 anos. Entretanto, ela lembrou que, apesar de o desemprego feminino estar caindo, as mulheres ocupam apenas 45% dos postos de trabalho, mesmo representando 51% da população brasileira. No pronunciamento, Dilma admitiu falhas nos serviços públicos e disse querer que as mulheres sejam "os olhos e o coração" de seu governo. "Porque você, minha irmã, é quem mais sente na pele as deficiências do serviço público", destacou.