Título: Queda da Selic obriga revisão na poupança
Autor: Cristino, Vânia ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2012, Economia, p. 10

Percentual abaixo de 9% pode provocar fuga dos fundos de renda fixa, alertam gestoresNotíciaGráfico

Diante do empenho do governo em continuar reduzindo a taxa básica de juros (Selic), não restará outra opção à presidente Dilma Rousseff a não ser retomar os debates em torno de mudanças na rentabilidade da caderneta de poupança. Mesmo em ano eleitoral, com a Selic podendo cair até 8% ao ano, essa alteração começa ser essencial. Isso porque, se o rendimento da aplicação não for reduzido, ameaçará os fundos de investimentos em renda fixa, que financiam uma parcela importante da dívida pública. Com o corte desta semana na Selic, para 9,75%, quase metade de 386 fundos analisados pela consultoria Economática ficaram desinteressantes se comparados aos 6,17% de ganho anual da caderneta — uma vez que, ao contrário dos fundos, nela não há a cobrança de taxas de administração. Com a perspectiva de mais cortes na Selic, a fuga de recursos pode ser ainda maior.

André Abreu, gerente-executivo de fundos de renda fixa da BBDTVM, afirmou que o debate da poupança é inevitável. "A redução da Selic nos provoca a ter uma gestão mais ativa. Muito se fala da caderneta e o governo está atento a isso. Se a taxa de juros básicos ficar abaixo de 9%, teremos uma situação mais complicada", explicou Abreu. Ele indica aos investidores que fiquem atentos aos custos impostos pelas taxas de administração e ao tempo que pretendem deixar os recursos aplicados. O prazo, segundo o gerente, é determinante (veja o quadro). Felipe Chad, sócio-diretor da corretora DX Investimento vai além. Para ele, fundos com taxa de administração acima de 1% ao ano são desvantajosos comparados à rentabilidade da poupança. Com esse custo, apenas investimentos acima de 1 ano ganham da caderneta.

"Reconheço que é uma decisão política complicada mas, se não enfrentar o problema, o governo vai acabar permitindo um desequilíbrio grande na relação risco e retorno dos investimentos", advertiu Fábio Gallo, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Caso a Selic chegue a de 8,5%, os fundos de investimentos passam a ser pouco competitivos, calcula o economista José Márcio Camargo, da Opus Investimentos. "O próprio governo vai ter dificuldade de colocar seus títulos no mercado", completou.

Por isso, de acordo com Camargo, será imperioso mudar a regra da poupança. Junto com a remuneração da caderneta, o governo terá que mexer na regra dos financiamentos habitacionais. Camargo defendeu ainda uma regra simples como, por exemplo, a remuneração passar a ser uma proporção da taxa Selic. Miguel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), alerta, porém, que o pequeno investidor, que aplica valores abaixo de R$ 50 mil, está praticamente refém da poupança. Segundo ele, o brasileiro que aplica quantias inferiores a essa, dificilmente consegue uma taxa melhor que 1,5% ao ano.

Imóveis O debate da poupança tem reflexos no custo dos financiamentos imobiliários. Os mutuários da casa própria pagam juros elevados no financiamento habitacional porque o rendimento da poupança, fixado em lei em 0,5% ao mês ou 6,17% ao ano, não permite que os bancos cobrem menos neste modelo de financiamento. Caso o governo altere o rendimento da poupança, o custo dessa operação pode cair para o consumidor.

Risco cambial Mesmo com a redução das turbulências no mercado internacional, para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) o câmbio continuará sendo um fator de preocupação para o setor em 2012. "Mesmo com uma queda mais acentuada nas taxas de juros no país, elas continuam a ser as maiores do mundo e, portanto, muito atraentes para o capital externo", explicou o gerente de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. Ontem, o dólar comercial teve queda de 0,14%, fechando cotado a R$ 1,762. A tendência é de que o real continue se valorizando, o que perpetua o problema da falta de competitividade da indústria brasileira: "Vinte por cento da demanda doméstica por manufaturados tem sido atendida por produtos importados", afirmou o economista.