Correio braziliense, n. 19908, 24/11/2017. Política, p. 02.

 

 

Fim do foro é adiado no Supremo

Natália Lambert

24/11/2017

 

 

#XÔPRIVILÉGIO » Mesmo com oito ministros contrários à regalia das autoridades, Dias Toffoli pede vista e interrompe julgamento que poderia diminuir os mais de 500 processos contra políticos em tramitação na Corte. Nova sessão ainda não tem data marcada

 

 

 

Apesar de ter maioria a favor da restrição do foro privilegiado para deputados e senadores, o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) fica emperrado mais uma vez e sem data para continuar. Depois de passar quase seis meses nas gavetas da Corte, o ministro Dias Toffoli entrou com novo pedido de vista e interrompeu a decisão que poderia diminuir os mais de 500 processos contra políticos que tramitam no tribunal. Seis ministros já acompanharam o entendimento do relator Luís Roberto Barroso de que a prerrogativa deve valer somente para crimes cometidos durante o mandato e em razão das atividades exercidas, mas não há previsão para que o julgamento seja concluído.

Antes de interromper o julgamento, o ministro Dias Toffoli falou por quase uma hora. Fez um levantamento dos processos que julgou desde que chegou ao STF, em 2008, e criticou as afirmações de que o foro privilegiado gera morosidade e impunidade. Segundo ele, já passaram pelo seu gabinete 35 ações penais, das quais, 26 foram solucionadas e 9 estão abertas. Citou uma a uma das inconclusas para mostrar a fase processual em que se encontram. “Essa história de dizer que essa Corte não delibera, não investiga e não julga é uma tremenda mentira (...) Este tribunal trabalha. É uma lenda urbana dizer que o número de processos impede o funcionamento da Corte”, afirmou.

Toffoli também levantou questionamentos sobre a extensão do novo entendimento do STF e o ministro Barroso esclareceu que, baseados na ação penal específica, a mudança seria somente para parlamentares federais (deputados e senadores) e não para as mais de 50 mil autoridades que detêm o benefício no país. “O caso concreto envolve um prefeito que se tornou deputado federal. A regra que propus e, aparentemente, prevalece até aqui é que só existe foro privilegiado para os fatos praticados no cargo e em razão do cargo”, explica Barroso.

O ministro acredita, porém, que, a partir do momento que o tribunal estabelece o entendimento, presentes as mesmas circunstâncias, se aplica a regra. “No normal da vida, isso se estenderá a todas as situações. Penso que a maioria do Supremo endossará que a regra é de que as pessoas devem ser julgadas pelos juízes de primeiro grau. O foro, em geral, é muito ruim, porque ele cria uma desigualdade entre as pessoas”, acrescenta Barroso.

Durante a sessão, a presidente Cármen Lúcia concordou com o julgamento de todos em primeira instância. “O juiz brasileiro é valoroso. Atua nos rincões do Brasil até em situações de periculosidade. É até atestado de confiança que o STF passa. Acho que deveríamos ser julgados todos por juiz de primeira instância”, comentou. Cármen, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber já haviam antecipado o voto em junho. Nesta tarde, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello também concordaram com a nova interpretação da Constituição. Além de Toffoli, ainda faltam os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski — ausente da sessão por questões de saúde.

Primeiro a interromper o julgamento com um pedido de vista, no começo de junho deste ano, o ministro Alexandre de Moraes sugeriu nova interpretação do dispositivo após passar quatro meses analisando o tema. Moraes é favorável à aplicação do foro somente para crimes cometidos durante o exercício do mandato, mas discorda da tese de que tenham de ser somente delitos ligados à função. Para ele, o texto constitucional é explícito quando diz que o foro vale para “infrações penais comuns”. “No presente caso, se distingue o que a Constituição expressamente diz, estaríamos editando uma emenda constitucional”, ressaltou Moraes. Apesar de ter sugerido outra tese, a maioria acompanhou a sugestão de Barroso.

 

Pesquisa

Pesquisa do projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas Direito Rio, mostra que, em média, os ministros do Supremo demoram 443 dias para devolver ao plenário uma ação que pediu para analisar. “Testamos a hipótese de que o pedido de vista foi feito para estudar o caso e conseguimos provar que ela não é válida. O pedido não é utilizado para isso no Supremo. Nada justifica o que acontece hoje em dia em relação aos pedidos de vista”, comenta o coordenador do projeto, Ivar Hartmann.