Correio braziliense, n. 19942, 29/12/2017. Política, p. 2

 

Indulto da discórdia

Luiz Carlos Azedo 

29/12/2017

 

 

O indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer, que ampliou os benefícios para presos que cumpriram pelo menos um quinto da pena, e sua suspensão parcial pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, puseram o Executivo e o Judiciário em rota de colisão. Com o agravante de que foram decisões solitárias, contra e a favor da operação Lava-Jato, que trouxeram a crise ética para o centro do noticiário político novamente. Atribuição do presidente da República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, é um perdão de pena, concedido todos os anos.

A presidente do Supremo aceitou os questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que na quarta-feira havia protocolado ação no STF para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. A decisão de Temer havia provocado forte reação dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Agora, caberá ao ministro Roberto Barroso, relator do caso, apreciar a liminar e encaminhar o assunto ao plenário do Supremo, em fevereiro.

Cármem Lúcia foi dura na crítica ao decreto de Temer: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”. Segundo a ministra, “não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. O indulto de Natal teve claro objetivo de beneficiar políticos e outros condenados pela Lava-Jato que estão cumprindo pena, o que gerou forte reação do Ministério Público Federal.

No ano passado, as regras de concessão do benefício já haviam sido flexibilizadas por Temer, ao beneficiar com o perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Neste ano, Temer não definiu um período máximo de condenação para que o detento obtenha o perdão presidencial, ampliando o raio de alcance do indulto. Além disso, o decreto do presidente da República reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para presos não reincidentes, que estavam nesta situação no Natal.

A polêmica jurídica é sobre a natureza do decreto, se ele está restrito à competência do presidente da República ou realmente viola os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal. Esse é o questionamento acabará no plenário do Supremo, no pressuposto de que se trata de matéria constitucional.

Lava-Jato
Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se Temer tivesse poder absoluto sobre o indulto, “aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira.” Um dos pontos mais criticados por ela foi o perdão das multas aplicadas aos réus nos crimes de colarinho branco; outro, a redução das penas, pois uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa.

O decreto de Temer teve repercussão negativa na opinião pública, mas foi bem recebido nos meios políticos e em parcela do mundo jurídico que questionam a atuação do Ministério Público Federal. Na prática, a decisão está em linha com a ala do Supremo Tribunal Federal liderada pelo ministro Gilmar Mendes, que vem questionando duramente a atuação dos procuradores federais e dos juízes de primeira instância que atuam na Lava-Jato.

Conduções coercitivas, prisões preventivas, longas condenações, até mesmo as delações premiadas, tudo vem sendo criticado pelo ministro e as grandes bancas de advocacia que defendem os réus da Lava-Jato. Além disso, o Supremo Tribunal Federal está muito divido.(...)