Correio braziliense, n. 19941, 28/12/2017. Política, p. 2

 

Planalto busca eliminar arestas nas negociações 

Rodolfo Costa 

28/12/2017

 

 

Reforma causa desconforto com chefes dos Executivos estaduais, mas governo busca enfatizar a importância da mudança nas regras das aposentadorias para evitar que transformações ainda mais radicais sejam necessárias no futuro

As negociações pelos votos necessários para aprovar a reforma da Previdência estão a todo vapor. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, recebeu ontem, entre 8h e 20h, 16 parlamentares, sendo 14 deputados e dois senadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre tema, Arthur Maia (PPS-BA), e líderes de partidos da base e governistas. A ideia é mapear pendências que ainda faltam ser resolvidas, como liberação de emendas, para que o governo possa aumentar o número de votos.

O governo, no entanto, precisará lidar com uma polêmica que surgiu em torno da atuação de Marun na terça-feira. O auxiliar de Temer disse que a liberação de empréstimos protocolados pelos estados na Caixa Econômica Federal ficaria condicionada ao apoio dado por governadores à proposta. A declaração não pegou bem entre os gestores estaduais. Diante do conflito, o presidente Michel Temer tomou a dianteira e destacou que, no atual texto, a proposta de atualização das regras previdenciárias é mais simples e atenuada do que pode ser caso o texto não seja aprovado até 2018.

Sem tocar na questão da liberação dos recursos aos estados em troca de apoio à reforma, Temer defendeu ontem, em evento de assinatura da criação da zona de processamento de exportações do porto de Açu, no Rio de Janeiro, que a aprovação da reforma no próximo ano evitará um ajuste “muito mais radical”. Ao lado do governador do estado, Luiz Fernando Pezão, declarou, ainda, que não haverá um único candidato às eleições do próximo ano que ficará livre de se posicionar em relação à proposta.

“Se nós não fizermos agora, não haverá um candidato a governador, um candidato a presidente, nem um candidato a deputado federal, a senador, que não tenha que tocar no assunto, porque será cobrado a respeito da reforma da Previdência”, destacou o peemedebista. “E, quando tiverem que fazê-la, terá que ser uma reforma muito mais radical. Radical do tipo daquela que ocorreu em Estados europeus nos quais houve cortes de pensão, de 20% a 30%,corte de vencimento de servidores públicos”, declarou.

Resguardo
Embora não tenha se posicionado claramente sobre a polêmica levantada por Marun, aliados encararam o posicionamento do presidente como uma forma de resguardar o auxiliar responsável pela articulação política e enfatizar o apelo pelo suporte dos governadores, mostrando que há mais vantagens do que desvantagens em apoiar o governo, de maneira mais suave e amena.

A ideia de Marun, de acordo com o que disse na terça, é priorizar a negociação de empréstimos da Caixa  e de outras instituições financeiras federais (Banco do Brasil e BNDES) a estados que já têm recursos a serem liberados, desde que auxiliem o governo a obter votos pela aprovação. E definiu a estratégia como “ações de governo”. “Financiamentos da Caixa são ações de governo. E, neste sentido, entendemos que deve, sim, ser discutido com os governantes uma reciprocidade no sentido de que seja aprovada a reforma da Previdência por uma questão que entendemos ser importante para o Brasil”, disse.

Descontentamento
Apesar dos esforços de Temer, governadores do Nordeste fizeram questão de mostrar o descontentamento com as declarações de Marun. Em carta assinada pelos responsáveis pelos governos de nove estados da região, eles cobram que Temer “reoriente os seus auxiliares” a fim de “coibir práticas inconstitucionais e criminosas”. Os chefes do Executivo das unidades da Federação ressaltaram, ainda, que não hesitarão em “promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme.”

“Os governadores do Nordeste vêm manifestar profunda estranheza com as declarações atribuídas ao senhor Carlos Marun, ministro da articulação política. Segundo ele, a prática de atos jurídicos por parte da União seria condicionada a posições políticas dos governadores. Protestamos publicamente contra essa declaração e contra essa possibilidade, e não hesitaremos em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme”, declararam, em texto.

Na última semana, o governador de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB), já havia criticado a postura do governo. “Marun me falou que há vários contratos com a Caixa, mas o governo só vai liberar após a votação da reforma. Achei uma coisa fora de propósito. Me deixou frustrado”, declarou. A carta ainda destaca que não serão admitidos “atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos”. “Vivemos em uma Federação, cláusula pétrea da Constituição, não se admitindo atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos, algo possível somente na vigência de ditaduras cruéis. Esperamos que o presidente Michel Temer reoriente os seus auxiliares, a fim de coibir práticas inconstitucionais e criminosas”, finalizaram os governadores, no documento. Temer e Marun não comentaram o teor da carta, por alegarem não terem recebido o texto.

O desafio do governo de conquistar o apoio de governadores será árduo. Não são apenas os gestores do Nordeste que sinalizam contrariedade à estratégia do Planalto. Em nota, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, informou que segue a orientação do PSB, que se posicionou contra a reforma da Previdência, em encontro nacional.

Apoio
Nem todos os governadores, no entanto, mostram oposição à estratégia do governo. O governador de Goiás, Marconi Perillo, garantiu que fará o possível para colaborar. “Acho natural que o governo solicite a interlocução dos governadores no sentido do convencimento de parlamentares para assegurar a aprovação de matéria fundamental para o futuro do país. De minha parte, farei o possível para colaborar, já que apoio a reforma da Previdência por conhecimento de causa e convicção”, afirmou.

Não é a primeira vez que o governador se posiciona favoravelmente à aprovação das reformas. Perillo avaliou que a proposta é necessária para o equilíbrio das contas públicas do país e para o crescimento da economia. Além da convicção econômica, o tucano é um nome que agrada ao governo e um potencial candidato a disputar a corrida presidencial em 2018 com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, destacou ontem o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, em evento em Goiânia. “Perillo é um governador reconhecido nacionalmente, uma figura de talento, experiência e competência. Por isso ele é um presidenciável, assim como o ministro Meirelles, que faz um trabalho excelente na Fazenda, é um presidenciável”, destacou.

Alterações
O que muda nas regras para aposentadoria de acordo com a proposta em discussão na Câmara dos Deputados

» Estipulação de uma idade mínima para aposentadoria, de 65 anos, para homens, e de 62, para mulheres. Atualmente, não há exigência de idade mínima para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Já os servidores públicos podem se aposentar quando completam 55/60 (mulheres/homens), desde que tenham contribuído, no mínimo, por 30/35 anos  

» Mudança no tempo de contribuição dos servidores públicos, que cai para 25 anos, 10 anos a menos do que é hoje, no caso dos homens. Para a iniciativa privada, o tempo mínimo de contribuição continua sendo de 15 anos

» Garantia de 100% do benefício após 40 anos de contribuição, tanto para servidores públicos quanto para trabalhadores da iniciativa privada. A aposentadoria será calculada com base na média de todos os salários de contribuição feitos ao longo da vida, e não mais dos 80% maiores, como é atualmente. O valor fica limitado ao teto do INSS, hoje de R$ 5.531, também para os servidores

» Redução na pensão por morte, que passará a ser de 50% do valor do benefício, mais 10% por dependente, garantido o salário mínimo como piso. O limite para acúmulo entre benefícios será de dois salários mínimos (o equivalente a R$ 1.874 em 2017)

» Fim da Desvinculação de Receitas da União (DRU) sobre as receitas da Seguridade Social. O mecanismo permite, hoje, que 30% do orçamento da seguridade sejam utilizados para outros fins e depois devolvidos, o que gerou debates sobre o valor real disponível para pagamento de benefícios

Fonte: Câmara dos Deputados

“Acho natural que o governo solicite a interlocução dos governadores no sentido do convencimento de parlamentares para assegurar a aprovação de matéria fundamental para o futuro do país. De minha parte, farei o possível para colaborar, já que apoio a reforma da Previdência por conhecimento de causa e convicção”
Marconi Perillo, governador de Goiás