O globo, n.30726 , 21/09/2017. ECONOMIA , p.21

Fatura antecipada de R$ 50 bi

MARTHA BECK

 MANOEL VENTURA

GABRIELA VALENTE

DAIANE COSTA

 

 

Com devolução bilionária de recursos do BNDES ao Tesouro, governo busca aliviar crise fiscal

 

O BNDES começará, na próxima semana, a devolver ao Tesouro Nacional mais recursos que foram emprestados ao banco ao longo dos governos Lula e Dilma para estimular a economia. Uma primeira parcela de R$ 33 bilhões será paga nos próximos dias, e uma segunda, de R$ 17 bilhões, virá em outubro, somando R$ 50 bilhões. O Tesouro quer, ainda, que a instituição antecipe o pagamento de outros R$ 130 bilhões em 2018.

Com a medida, a equipe econômica pretende resolver problemas fiscais de curto prazo, reduzir o estoque da dívida bruta e, ao mesmo tempo, redimensionar o tamanho do BNDES. A ideia é encerrar de vez a era de dependência do banco de recursos do Tesouro para que ele seja mais enxuto e busque fontes de financiamento alternativas.

Essa, no entanto, não será tarefa fácil. A equipe econômica avalia que o banco precisa ficar menor e ser menos dependente do caixa federal, mas a instituição resiste e alega que devolver um montante tão elevado ao Tesouro — R$ 180 bilhões até 2018 — pode não deixar fôlego para financiar investimentos em infraestrutura necessários ao crescimento.

— O ponto é a capacidade de continuar com a função de emprestar com prudência e governança. Não há resistência em devolver recursos. Mas o banco tem de ter capacidade de fazer o gasto antecipado. O pagamento de R$ 50 bilhões em 2017 está certo. O número de 2018 vai depender da evolução das coisas — disse um interlocutor do BNDES.

 

TCU VAI ACOMPANHAR OPERAÇÃO

Os técnicos da equipe econômica alegam que o pagamento é necessário para evitar o descumprimento da regra de ouro da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ela determina que o governo não pode emitir dívida acima de seus gastos com investimentos. O desrespeito a ela pode implicar crime de responsabilidade para os gestores, incluindo o presidente da República. Há risco de descumprimento em 2017 e 2018 porque, diante do aperto fiscal, os investimentos estão baixos, provocando descasamento entre emissões para dívida e despesas de capital. Além disso, os técnicos alegam que o BNDES precisa voltar a ser do tamanho que tinha em 2008, antes de os governos Lula e Dilma fazerem sucessivos aportes — superiores a R$ 500 bilhões — na instituição para tentar turbinar o Produto Interno Bruto (PIB).

— O BNDES reluta em fazer o pagamento sob a justificativa de que tem uma disponibilidade de caixa menor, em torno de R$ 200 bilhões. Mas é preciso discutir qual o tamanho que o banco precisa ter. Qual foi a diferença que ele fez no investimento brasileiro? — disse um integrante do governo. — A taxa de investimento era de 20% do PIB em 2008, quando começaram os aportes do Tesouro. Hoje, está no mesmo patamar, e o banco está muito maior. O BNDES tem condições de ser mais enxuto.

Os técnicos reconhecem que os R$ 130 bilhões de 2018 precisam ser discutidos para não provocar um desequilíbrio. Há alternativas para aumentar a disponibilidade de caixa, como a venda de ações do BNDES em empresas e também a captação de recursos no mercado externo. Neste caso, uma possibilidade seria usar reservas internacionais como garantia para a tomada de crédito fora do país.

— Isso permitiria ao BNDES tomar empréstimos no exterior com custo mais barato. Seria ter um lastro externo em reservas para baixar custo de captação — explicou um integrante do banco.

Para os integrantes da equipe econômica, não há prejuízo às operações de financiamento à infraestrutura com a devolução dos recursos ao Tesouro. Eles lembram que o BNDES tem R$ 950 bilhões em ativos e todo ano recebe dinheiro de volta dos empréstimos já feitos, além de repasses do PIS.

— O banco já tem no caixa hoje os R$ 180 bilhões. É dinheiro que já está sobrando — observou um integrante da equipe econômica.

O dinheiro decorrente do pagamento do BNDES será usado para reduzir a dívida bruta e permitir o enquadramento do governo nos critérios da LRF. No fim de 2016, o banco devolveu R$ 100 bilhões ao Tesouro para melhorar indicadores de endividamento. Na época, o dinheiro permitiu que a dívida bruta caísse de 69,5% do PIB para 67,9% do PIB. O estoque está hoje em 73,8% do PIB.

O secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Mansueto Almeida, disse ontem que, sem a devolução dos R$ 180 bilhões do BNDES ao Tesouro, a dívida bruta poderia chegar a 85% do PIB até 2020. Já com a volta dos recursos, o estoque não passará de 82% em 2020 e cairá em seguida.

Sobre as críticas à operação, já chamada de “pedalada às avessas”, Sergio Lazzarini, professor do Insper, diz se tratar de avaliação injustificada:

— A pedalada foi o governo se endividar para repassar ao BNDES. O melhor para o país é esse dinheiro retornar ao Tesouro para abater a dívida bruta, o que melhora a situação fiscal, os juros, em vez de manter uma estrutura de financiamento pesada, que está tendo pouco resultado.

Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas do governo Dilma devido ao atraso nas transferências do Tesouro a Banco do Brasil, Caixa e BNDES, que tiveram de usar recursos próprios para honrar programas sociais. A manobra ficou conhecida como pedalada fiscal.

O TCU decidiu acompanhar a “regularidade” da devolução dos recursos. A medida foi proposta pelo ministro Vital do Rêgo, relator das contas do governo em 2017. No comunicado, ele lembrou que a operação tem de ter como objetivo equilibrar as contas públicas. A decisão foi tomada após as ressalvas do BNDES, de que correria o risco de não ter caixa suficiente para as outorgas de concessões em infraestrutura nos próximos anos e poderia ter dificuldade de honrar financiamentos já assinados.

Em nota, o banco diz que os estudos para devolução dos recursos levam em conta os desafios de equilíbrio fiscal, a capacidade de atendimento à demanda por crédito e as determinações do TCU.