O globo, n.30726 , 21/09/2017. ECONOMIA, p.22​

Entidades empresariais criticam devolução de recursos ao Tesouro

ANA PAULA MACHADO

DAIANE COSTA

 

 

Para especialistas, banco de fomento deve mudar de tamanho após operação

Lideranças de setores ligados à infraestrutura criticaram a decisão do governo de exigir a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro. Para José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Fiesp e diretor do departamento de Competitividade e Tecnologia, olhando apenas a questão fiscal, o Ministério da Fazenda restringe a capacidade de investimento na economia.

— Para sair da crise, o setor privado precisa modernizar o parque industrial, investir em processos e equipamentos. E, sem o BNDES, como as empresas vão fazer isso? — questiona. — No mundo inteiro, há essa busca pela manufatura avançada, e estamos caminhando no sentindo inverso. Para resolver um problema fiscal, o governo está comprometendo a capacidade de investimentos. Se não tiver recursos para induzir a melhora na infraestrutura e na modernização da indústria, o país não voltará a crescer e comprometerá a arrecadação no futuro.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base e Infraestrutura (Abdib), Venilton Tadini, na falta de ações efetivas de corte de gastos, o governo opta equivocadamente por restringir ainda mais os investimentos:
— Quem vai financiar a infraestrutura? O setor privado? Quem vai financiar a retomada da indústria? As empresas não têm capacidade de investimento para sustentar esse crescimento que o Brasil necessita. Estão colocando o BNDES em um papel secundário no desenvolvimento do país.

 

‘PRESSÃO DA INDÚSTRIA’

Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), acredita que a situação fiscal “catastrófica” está por trás da pressão do governo sobre o BNDES.
— Essa queda de braço entre a Fazenda e o BNDES pode representar uma perda ainda maior para o país — diz Batista.
José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), afirma que a falta de recursos para investimentos nesse momento tira a capacidade de o país sustentar a retomada da atividade.
— Vamos ter um voo de galinha — afirmou.
Segundo Sergio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro “Capitalismo de laços”, que aborda a relação entre o Estado e o empresariado nacional, a menos que o BNDES consiga outras fontes de recursos, com o resgate de R$ 180 bilhões, o banco deve encolher. Lazzarini defende que o BNDES volte ao padrão anterior à recessão, quando metade dos recursos vinha do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT):
— O banco recolhe ao Tesouro empréstimos que foram feitos e não deram resultados. Isso seria salutar para refocalizar o banco.
O especialista ressalta que o BNDES deve priorizar projetos de maior impacto para a economia, de infraestrutura e com pouco interesse para o setor privado, como o saneamento:
— Apesar da enorme pressão da indústria, o BNDES não precisa ser tão grande.
A devolução de recursos ao Tesouro ainda está sujeita à análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Para Amir Khair, ex-secretário de Finanças de São Paulo, a interpretação contrária à operação considera que ela não faz parte do contrato firmado entre o Tesouro e o banco:
— O TCU pode entender a devolução antecipada de recursos pelo BNDES ao Tesouro como uma operação de crédito. A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) proíbe que o governo se financie com entidades oficiais de crédito.

 


‘RISCO DE SE COMPLICAR COM TCU’

Ele pondera, porém, que o governo defende que precisa dos recursos para abater e diminuir a dívida pública. Khair destaca que o montante total, de R$ 180 bilhões, equivale a apenas 4% do total da dívida, estimada, em seus cálculos, em R$ 4,7 trilhões.
— O governo corre o risco de se complicar com o TCU, e esta não é a melhor maneira de reduzir a dívida pública. O que tem de se fazer é vender reservas internacionais. Tem vários medidas que reduzem essa relação dívida/PIB (que já está em 72,5% e chegará a 80% ano que vem). É claro que está fazendo esforço na questão fiscal e tem de fazer — disse.