Valor econômico, v. 17, n. 4333, 04/09/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Consumo deve sustentar alta no 2º semestre

Thais Carrança eAna Conceição

04/09/2017

 

 

A retomada do consumo tende a se manter na segunda metade deste ano, o que deve garantir um Produto Interno Bruto (PIB) positivo em 2017, a despeito da fraqueza de outros segmentos da economia, como os investimentos. As famílias consumiram 1,4% mais no segundo trimestre sobre o primeiro e, no lado da demanda, foram elas as responsáveis pelo crescimento de 0,2% do PIB do período, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Divulgado o resultado, na sexta-feira, alguns analistas elevaram a estimativa para a expansão da economia este ano.

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, diz que os números do segundo trimestre reforçam a expectativa de que o PIB de 2017 deverá crescer cerca de 0,5%. Ele nota que a herança estatística deixada para o resto do ano ficou em 0,4%. É quanto a economia avançaria se ficasse estável em relação ao nível do segundo. Para chegar a 0,5%, é necessária uma expansão de 0,1% nos dois trimestres que restam, em termos dessazonalizados. "Somente essa constatação já coloca certo viés de alta em nossas projeções. Caso a construção civil corrobore esses sinais de incipiente inflexão, o crescimento poderá ser algo superior à nossa projeção atual, talvez se aproximando de 0,7% a 0,8% neste ano".

 

 

Mas a retomada continua gradual e, por esse motivo, a volta das famílias ao consumo após nove trimestres (oito de queda, um de estabilidade) não deve ter maiores impactos sobre o ciclo de queda da taxa Selic. O juro básico da economia está em 9,25% e pode chegar a 8,25% este mês. Da última vez que a taxa esteve próxima disso, 7,25% em outubro de 2012, sob o primeiro governo Dilma Rousseff, o consumo das famílias crescia 3,5% em 12 meses, acima do PIB, de 1,9%. Agora, essa linha cai 1,9%, mais que o recuo do PIB, de 1,4%, também em 12 meses.

A economista Patrícia Pereira, da Mongeral Aegon, não vê ameaça ao ciclo de afrouxamento monetário pelo Banco Central e acredita que ainda há possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) optar por um corte de 1 ponto percentual também em outubro, com chance de a Selic fechar abaixo de 7% no ano. Seu cenário base, por enquanto, é de cortes de 1 ponto em setembro, 0,75 ponto em outubro e 0,50 em dezembro.

No segundo trimestre, o consumo da famílias cresceu acima das projeções do mercado, que em média era de 0,9%. "O resultado foi influenciado por inflação e juros mais baixos, redução do endividamento e liberação dos recursos do FGTS", enumera Viviane Seda Bittencourt, responsável pela Sondagem do Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O Ibre/FGV fez um levantamento em março e julho sobre o destino que os consumidores dariam para o dinheiro das contas inativas do FGTS. No primeiro, 41% pretendiam quitar dívidas e apenas 9,6%, consumir. Três meses depois, embora o destino prioritário de recursos tenha continuado sendo a quitação de dívidas, 27,8% pretendiam destinar os valores para consumo. "Há uma parcela da população que quitou dívidas e agora tem mais espaço nos próximos trimestres para consumo", diz Viviane.

Paradoxalmente, a confiança do consumidor ainda não se recuperou, segundo o indicador da FGV, que caiu em agosto pelo terceiro mês. "O brasileiro segue cauteloso, priorizando a organização financeira da família e aguardando uma recuperação maior do mercado de trabalho", acredita a coordenadora.

Na semana passada, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou queda do desemprego para 12,8% no trimestre findo em julho, abaixo dos 13% de junho, mas um patamar ainda bastante elevado. A redução do desemprego foi puxada por ocupações precárias, como empregos sem carteira assinada e por conta própria, de menor renda. "Dificilmente o consumo continua tão forte no terceiro trimestre, mas deve seguir crescendo, ainda que marginalmente", afirma Flavio Serrano, economista sênior do Haitong. Mas a tendência, segundo ele, é que o bom desempenho da economia fique mais evidente a partir dos últimos três meses do ano e ao longo de 2018.

A questão agora é saber se, passado o estímulo do saque das contas inativas do FGTS, a demanda se mantém. "Se a gente acredita que a melhora do emprego está de fato acontecendo, é natural imaginar que o consumo vai continuar a crescer nos próximos trimestres", diz Patricia Pereira, da Mongeral. O segundo trimestre pode ter tido um estímulo mais forte por causa do FGTS, o que deve se diluir no terceiro trimestre, mas em contrapartida há a melhora antes do esperado do mercado de trabalho, destaca. A Mongeral previa a taxa de desemprego em dezembro próxima a 13% e agora já vislumbra algo mais perto de 12,5% na última leitura do ano.

E há chance de o desemprego ficar abaixo de 12,5%, diz Daniel Silva, economista da gestora Modal Asset. Neste sentido, o consumo das famílias deve ter sustentação neste e nos próximos trimestres. "Isso vai abrir espaço para que as famílias consumam não apenas bens essenciais, como alimentos e roupas, mas duráveis, que têm valor maior", afirma.

O crédito deve ser outro canal a ajudar na recuperação da demanda diante da redução do peso das dívidas no orçamento do brasileiro por causa da queda da Selic. Esta é uma das razões pelas quais o consumo das famílias continuar positivo, afirma Roberto Padovani, do Banco Votorantim. A outra é a inflação, que continuará comportada.

Sergio Vale, da MB Associados, ainda vê dificuldade de recuperação maior na massa real de renda, apesar da melhora no mercado de trabalho. "O maior entrave é que ainda se demite pessoas com salários elevados e contrata-se pessoas com salários baixos", diz o economista.

Já a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, destaca que, com salários reajustados pela inflação passada e a inflação presente baixa, os trabalhadores têm tido ganho real, o que contribui para o aumento da massa salarial. "Há mais dinheiro disponível", diz. Segundo a Pnad, a massa de renda cresceu 3% em termos reais no trimestre até julho. Até junho tinha aumentado 2,3%.