O Estado de São Paulo, n. 45267, 24/09/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

Esquerda já traça cenário sem petista

Partidos de centro esquerda, inclusive tradicionais aliados do PT, devem lançar candidatos próprios à Presidência em disputa ‘pulverizada’

Por: Ricardo Galhardo / Vera Rosa

 

Ricardo Galhardo

Vera Rosa / BRASÍLIA

 

A incerteza em relação ao futuro político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz com que os partidos de centro esquerda, inclusive tradicionais aliados do PT como PC do B e PDT, já adotem estratégias para a eleição de 2018 com cenários sem a participação do petista.

Se Lula for condenado em segunda instância e não puder concorrer, os antigos aliados do PT não parecem dispostos a se unir. A ideia, nesse caso, será investir na disputa “pulverizada”, com muitos candidatos do mesmo espectro político.

Parceiro histórico do PT, o PC do B, por exemplo, já se prepara para fechar outras composições eleitorais. O receio do partido é esperar Lula indefinidamente – já que a estratégia do PT consiste em levar a candidatura do ex-presidente até o último recurso jurídico – e depois ficar “a ver navios”.

“Nós já começamos a fazer consultas sobre nomes”, afirmou o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), que foi ministro nos governos comandados por Lula e Dilma Rousseff. “Sem Lula na cédula não tem por que o PC do B apoiar o PT. Na esquerda, vai ser todo mundo igual”, disse o deputado.

O PC do B abriu negociações com o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, que nesta semana também conversará com a direção do PSB. Nada, porém, está fechado. Nos bastidores, tanto integrantes da oposição como aliados do presidente Michel Temer dizem que muitos lances para 2018 estão congelados, à espera da definição sobre Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto.

“Mas nós começamos o degelo”, disse Silva, que não exclui a possibilidade de o PC do B lançar candidato próprio à sucessão de Temer. “O desgaste com a política é tão grande que os partidos serão chamados a se posicionar. A tendência é de que a eleição de 2018 seja pulverizada, como a de 1989.” Naquele ano, 22 candidatos disputaram o Planalto.

O PDT, outro aliado histórico do PT, faz os cálculos para 2018 contando que Lula será barrado pela Justiça. “É mais do que legítimo o PT manter a candidatura de Lula, mas penso que ele não será candidato”, disse o presidente da sigla, Carlos Lupi. O partido aposta na candidatura de Ciro independentemente de Lula ser candidato.

No entanto, segundo Lupi, caso o petista fique fora da disputa, Ciro pode crescer nos redutos petistas. “É pouco provável que o PT venha a nos apoiar, por isso não muda muito para o PDT, mas, sem Lula, Ciro passa a ter um potencial de crescimento grande no Nordeste”, disse.

Com base na avaliação de que o petista será impedido, o PDT tenta entabular conversas com PC do B, PSB e com o próprio PT a fim de ampliar o leque de alianças em torno de Ciro.

Aliado do PT no passado, o PSB se prepara para outros voos. “Precisamos pesar, porém, se a candidatura própria vai nos ajudar em relação aos palanques estaduais. A hora é de aguardar um cenário de menos incertezas. Não podemos excluir ninguém antes de falar com as forças políticas”, disse Carlos Siqueira, presidente do PSB.

O socialista disse já ter conversado com o governador Geraldo Alckmin, que deseja concorrer ao Planalto pelo PSDB. O vice, Márcio França, é da legenda e, segundo Siqueira, será candidato ao Bandeirantes em 2018.

Ciro também está na mira do PSB, tanto que um encontro com ele foi marcado para esta semana. “Além disso, a direção do PT pediu reunião conosco e ainda vamos falar com a Marina Silva (Rede)”, afirmou Siqueira, para quem o quadro de 2018 se aproxima ao de 1989.

Principal adversário do PT no campo mais à esquerda, o PSOL desde o primeiro momento trabalha para ter candidatura própria, sem perspectivas de alianças, mas avalia que, caso Lula não seja candidato, tem chances de ampliar as alianças atraindo partidos e grupos que hoje circulam na órbita petista. O nome do PSOL hoje para 2018 é o do deputado Chico Alencar (RJ), que ainda não defi- niu se aceita a empreitada.

Sem o petista na disputa, o partido espera filiar o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, e lançá-lo candidato ao Planalto. Boulos, que já admitiu em entrevistas a possibilidade de disputar eleições, faz mistério sobre o futuro. Aliados especulam que, com Lula, Boulos se candidataria a deputado federal.

Para a direção da legenda, a eventual ausência do petista pode acelerar uma reorganização da esquerda, com a deserção de setores do PT, ainda para 2018.

“Mas é claro que quanto mais tarde acontecer esta definição mais difícil fica”, disse o presidente da Fundação Lauro Campos, Juliano Medeiros.

 

Marina. A Rede da ex-ministra Marina Silva, que em 2014 ameaçou a reeleição de Dilma, diz que a possível ausência de Lula em 2018 não interfere nos planos do partido. No entanto, aliados de Marina admitem que ela pode herdar votos do petista. “Não estamos traçando duas estratégias”, disse o coordenador nacional Bazileu Margarido. Para ele, porém, caso Lula seja barrado, o cenário muda. “Se Lula não for candidato, todo mundo vai se mexer”, avaliou Bazileu.

 

PC do B

“Sem Lula na cédula não tem por que o PC do B apoiar o PT. Na esquerda, vai ser todo mundo igual.”

Orlando Silva

DEPUTADO (PC DO B-SP)

 

 

 

 

 

 

Justiça deve barrar Lula, prevê partido

Por: Ricardo Galhardo

 

Oficialmente o PT diz que a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “irreversível” e “irrevogável”. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, afirmou que, mesmo que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) ratifique a condenação, Lula pode recorrer às instâncias superiores.

Na realidade, no entanto, a percepção de que a Justiça dificilmente permitirá que Lula concorra pela sexta vez à Presidência é cada vez maior.

Algumas semanas atrás um colaborador próximo do ex-presidente chegou a sugerir que, diante da indefinição do cenário, Lula dedique o restante de 2017 para elaborar um bom programa de governo e deixe para o ano que vem a definição sobre o candidato.

O “conselheiro” ponderou outros fatores além do cerco fechado pela Lava Jato, como as incertezas sobre a reforma política e a judicialização da campanha. Mas, segundo pessoas próximas, a reação de Lula foi “extremamente negativa”.

Na semana passada, em conversa com deputados estaduais do PT, o advogado Pedro Serrano, referência jurídica da esquerda, disse que, embora considere Lula inocente, acredita que o Judiciário sofre forte influência política e, portanto, a probabilidade maior é de que a condenação seja mantida. Mas também lembrou a possibilidade de recursos. /R.G.

 

 

 

 

 

 

 

PT e PMDB negociam alianças em cinco Estados no Nordeste

Rompidos na esfera nacional desde o impeachment, partidos negociam acordos regionais para 2018
Por: Igor Gadelha

 

Igor Gadelha / BRASÍLIA

 

Rompidos no plano nacional desde o impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, PT e PMDB já negociam alianças para as eleições de 2018 em pelo menos cinco dos nove Estados do Nordeste. A aproximação se dá por uma combinação de fatores. A força que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem na região atrai os peemedebistas, ao passo que o fato de o PMDB ser o partido com maior tempo de TV e ter o maior número de prefeituras do País é um atrativo para o PT.

O caso mais emblemático é o do Ceará. No Estado, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), vem conversando com o governador Camilo Santana (PT) para estarem na mesma chapa em 2018. Pelas negociações, Eunício apoiaria a reeleição do petista. Em troca, o peemedebista garantiria para ele uma das duas vagas de senador na chapa de Santana.

A outra vaga deve ir para o ex-ministro Cid Gomes (PDT), irmão do ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato a presidente da República.

Em 2014, Eunício e Santana foram adversários na disputa pelo governo do Estado. Em 2018, porém, quando precisa renovar o mandato, o peemedebista já deu declarações públicas de que pode apoiar Lula no Ceará. “O PMDB vai fazer coligações nos Estados livremente, com quem achar que é conveniente”, disse o senador em entrevista nesta semana. O próprio expresidente dá aval para a aliança. “Se der para fazer chapa Lula, Camilo, Cid e Eunício, topamos discutir”, afirmou o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos mais próximos de Lula.

Outro Estado em que o PMDB quer o apoio do PT é Alagoas. Ambos candidatos à reeleição pelo PMDB, o governador Renan Filho e o pai dele, o senador Renan Calheiros, negociam para repetir em 2018 a aliança de 2014 com os petistas. Com base em pesquisas internas que mostram Lula na frente na corrida presidencial, o clã Calheiros quer subir no palanque presidencial do petista no Estado. Em agosto, deixaram isso claro, ao acompanharem a passagem de Lula pelo Estado durante a caravana no Nordeste.

Em Sergipe, o PT negocia para apoiar a eleição para o governo do atual vice-governador, Belivaldo Chaga (PMDB). Em troca, teria uma das vagas ao Senado na chapa, para a qual deve indicar o ex-deputado Rogério Carvalho. “O Lula dá aval para essa aliança”, disse o deputado João Daniel (PT-SE). Segundo ele, a aliança PT-PMDB no Estado é antiga e não sofreu abalos após o impeachment, pois a maioria do PMDB sergipano não apoiou a saída de Dilma.

No Piauí, o PMDB conversa com o governador Wellington Dias (PT), que tentará a reeleição. A sigla quer indicar o candidato a vice na chapa do petista. O nome mais cotado hoje, segundo apurou o Estadão/Broadcast, é o do deputado Themístocles Filho, presidente da Assembleia Legislativa do Estado.

Na Paraíba, a negociação se dá de forma indireta. Líder do partido do presidente Michel Temer no Senado, Raimundo Lira tenta convencer a legenda a apoiar o candidato do PSB ao governo que será indicado pelo atual governador, Ricardo Coutinho (PSB). No Estado, o PSB tem o PT como aliado. Em troca, Lira, que precisa renovar o mandato, seria um dos candidatos ao Senado da chapa. “A aliança é regional. Se acontecer, o governador vai estar no palanque do Lula e eu no palanque presidencial que o PMDB apoiar”, disse o senador.

 

Lados opostos. No Rio Grande do Norte, a tendência do PMDB hoje para 2018 é se aliar a PDT e DEM para apoiar uma possível candidatura do prefeito de Natal, Carlos Eduardo (PDT), a governador. Lideranças peemedebistas não descartam, porém, uma aliança com o PT, caso a senadora petista Fátima Bezerra dispute o governo.

Já no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia, uma aliança entre PMDB e PT é tida hoje como impossível por líderes das duas legendas. No Maranhão, o PMDB lançará a ex-governadora Roseana Sarney como adversária do atual governador, Flávio Dino (PC do B).

Na Bahia, peemedebistas devem apoiar a eleição do prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), para o governo contra o atual governador, Rui Costa (PT). Em Pernambuco, PMDB e PT devem ter candidatos próprios ao governo.

 

 

 

 

Desafio do PT é garantir espaço eleitoral

Por: Hilton Cesario Fernandes

 

ANÁLISE: Hilton Cesario Fernandes

 

Coligações regionais entre partidos que são adversários na política nacional parecem desafiar a lógica do eleitor, mas o fato é que a realidade nos Estados e nos municípios apresenta uma dinâmica política muito diferente à do País.

O cientista político Humberto Dantas, em sua tese de doutorado, mostrou que coli- gações entre partidos adversários nacionalmente são bastante comuns nos municípios, até porque as forças políticas e as preferências do eleitor estão muito mais ligadas ao personalismo do que aos partidos.

Há anos o PMDB se caracteriza por divisões regionais, especialmente com líderes que dominam os Estados, como José Sarney, Renan Calheiros e outros. Esses líderes do PMDB possuem diálogo entre si no âmbito federal, mas não invadem o espaço do outro nos Estados. Daí a dificuldade em lançar um candidato a presidente.

Já o PT possui um comportamento diferente, bem mais centralizado, a ponto de influenciar a escolha de candidatos nos Estados e municípios. Entretanto, as denúncias de corrupção e o impeachment de Dilma Rousseff enfraqueceram o PT, e isto ficou evidente nas eleições de 2016. Esta situação apresenta um novo desafio ao partido, que precisa se preocupar em garantir o espaço que lhe restou e evitar o crescimento de outras forças de esquerda que possam ameaçá-lo.

Nunca é demais lembrar que a aliança PT -PMDB nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma ocorreu por conveniência política, e não ideológica. A narrativa do golpe contra Dilma, que é bem aceita entre os militantes de esquerda, não deve ser muito afetada por eventuais coligações regionais.

Afinal, assim como houve uma narrativa para justificar Michel Temer como vice-presidente de Dilma, outras narrativas justificarão as aproximações nos Estados.