O globo, n. 30852, 25/01/2018. PAÍS, p. 12

ESPÓLIO EM DISPUTA - PT sai enfraquecido, e seu eleitorado vira alvo de cobiça

MARCO GRILLO

 

 

Para analistas, setores ligados ao partido tendem a se distanciar e briga por votos pode implodir esquerda, beneficiando o centro

 

O obstáculo jurídico imposto ontem à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República abriu caminho para que outros partidos avancem sobre dois estratos do eleitorado liderados há anos pelo PT: a esquerda ideológica e as camadas de baixa renda. Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontaram o maior distanciamento de setores tradicionalmente próximos ao PT — PCdoB e PDT como principais exemplos — e a disputa pelos eleitores que veem no ex-presidente o responsável por progressos em suas condições de vida como cenários prováveis para os próximos meses.

Os analistas acreditam que Lula levará a candidatura até quando for possível — a Lei da Ficha Limpa torna inelegíveis os condenados em ações penais por órgãos colegiados, mas a decisão sobre a validade ou não da candidatura só será proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto. Ao estender uma campanha que tende a se tornar inviável, insistindo na narrativa de perseguição judicial, o PT, paradoxalmente, pode afastar antigos aliados e prejudicar a própria hegemonia.

— O PT vai continuar apoiando Lula, correndo o risco de perder a capacidade de ser o aglutinador da esquerda brasileira, como tem sido desde 1989. A tendência é que legendas de esquerda tentem ocupar o espaço que era do PT, porque não vão querer apoiar um partido sem candidato competitivo e muito menos um candidato que já parte manco numa disputa eleitoral, com condenação em segunda instância — avalia o cientista político Carlos Pereira, da FGV-Ebape.

A briga pelo espólio lulista poderá até beneficiar outros campos políticos, segundo Pereira:

— A probabilidade maior é que a esquerda imploda, com vários candidatos não competitivos, deixando caminho muito livre para o centro.

De acordo com as pesquisas de intenção de voto, cerca de um terço do eleitorado está disposto a votar em Lula. O cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, ressalta que parte deste grupo, caso a candidatura do petista seja barrada, poderá migrar para um nome que encampe as demandas pretendidas, especialmente na área social:

— Esses milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza, desempregados, com serviços sociais ruins, estão atrás de alguém que diga que a vida pode melhorar. Eles têm a impressão de que Lula seria a alternativa, mas esse espaço não é um monopólio. Pode ser ocupado por outras candidaturas, desde que haja propostas para gerar mais empregos, por exemplo. Esta agenda não é só do Lula.

O historiador Daniel Aarão Reis, professor da UFF, acredita que Lula poderá transferir votos para um eventual candidato do PT, levando-o ao segundo turno.

— As pessoas compreendem que Lula participou da mixórdia que se tornou o sistema político brasileiro, mas o raciocínio é pragmático: ele se envolveu na mixórdia, mas todos participaram, então votam nele porque fez políticas a favor das camadas populares.

 

DEMOCRACIA EM QUESTÃO

Indo além dos possíveis cenários eleitorais, Aarão Reis acrescenta à discussão os reflexos que o provável afastamento de Lula poderá provocar:

— Esta decisão vai enfraquecer as convicções democráticas do povo brasileiro. Não quero entrar no mérito, se os juizes têm ou não razão, mas a impressão que vai ficar é que a Justiça brasileira é injusta. Há um conjunto de políticos que participaram dessas falcatruas, e o Lula é o primeiro a ganhar uma condenação desse tipo (que pode impedir uma candidatura à Presidência). Vai ficar a impressão de que a Justiça é vesga, e isso me preocupa. Penso que a democracia brasileira tem que ser aperfeiçoada, não enfraquecida.

Professor do departamento de História da USP, o cientista político Antônio Carlos Mazzeo acredita que o possível impedimento representa uma “fratura”.

— Lula é uma grande liderança , goste-se dele ou não. Pode haver uma radicalização maior na sociedade, porque nesse momento há um refluxo, com uma parte do Judiciário agindo como sujeito ativo da manutenção de um Brasil conservador.