O Estado de São Paulo, n. 45246, 03/09/2017. Política, p. A6.

 

‘A Lava Jato tem uma base social muito grande; ela não vai cair’

Ricardo Brandt/ Fausto Macedo

03/09/2017

 

 

Advogado da Petrobrás e assistente da acusação defende delação premiada e rejeita execução da pena em segunda instância

 

 

ENTREVISTA - RENÉ ARIEL DOTTI

Nos idos da década de 1950, René Ariel Dotti era um estudante de Direito entusiasta da campanha “O petróleo é nosso”. Seis décadas depois, o criminalista, jurista e professor hoje conduz a banca de assistentes de acusação do Ministério Público Federal (MPF) nas ações da Lava Jato, contratado pela Petrobrás. Seu papel é processar, com a força-tarefa, corruptores e corruptos. “(A Lava Jato) É uma revolução copérnica na criminalidade do País”, disse Dotti ao Estado, em seu escritório, na capital paranaense.

Perto de completar 83 anos, ele defende as delações premiadas – apesar de não fazê-las –, critica o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pelas declarações sobre prisões preventivas, e se diz contrário à possibilidade de execução da pena após decisão em segunda instância. Leia os principais trechos da entrevista:

 

Eu estudei na faculdade em 1954. A grande luta era o petróleo, o movimento do petróleo nacional. Por isso foi uma alegria muito grande poder representar a empresa, pelo que ela fez pelo País. Nosso papel nos processos é acompanhar as audiências de testemunhas e interrogatórios. Acompanhamos os processos, funcionamos como assistentes do Ministério Público. Assistentes porque a figura mais importante é a do Ministério Público, e nós colaboramos na medida em que estamos no mesmo caminho, sustentando as mesmas teses, com o mesmo pedido.

 

Claro. É uma revolução copérnica na criminalidade do País. Porque, embora houvesse isso antes, nunca houve uma investigação desse tipo, nunca houve um Judiciário federal com essa disposição, como o doutor Sérgio Moro. A Lava Jato, no meu entendimento, interrompeu um golpe de Estado. Um golpe de Estado sem violência. O PT ia fazer um golpe de Estado na medida em que estava corrompendo grande parte do Congresso e colocando gente no Supremo Tribunal Federal para ter uma continuidade de poder, um projeto de poder. O que o PT fez, não a parte de corrupção, a parte de organização, foi pensando em tomar o Estado. De que maneira? Defendendo uma doutrina que é comum ao interesse público, que era a da ética. O PT sempre chamou os jovens. Reunia religiosos, reunia jovens, estendia em outras camadas. O PT dominou muito bem, e por isso teve o poder. E isso seria o golpe de Estado.

 

Não, com esse Congresso não dá. Porque é um Congresso de muito fisiologismo. É um Congresso que vive não um papel de representação popular, vive um papel de concentração de interesses pessoais.

 

Não... A Justiça Federal e os tribunais federais trabalham mais rapidamente do que os outros tipos de tribunais. A Justiça estadual é mais demorada que a Justiça Federal. Tenho um projeto com o desembargador de São Paulo Rui Stoco que chegou a ser aprovado na Câmara. Ele diz que todo e qualquer condenado a pena acima de 8 anos, esteja preso ou não, tem de ter o julgamento como se fosse de réu preso, ou seja, o julgamento prioritário. Então, eu defendo o julgamento prioritário.

 

É um problema de gestão, não de lei. Dou um exemplo, a Constituição prevê o salário mínimo, entre os direitos sociais. Diz que o salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, é capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e as de sua família. O salário mínimo paga isso tudo? Nunca. Então podemos cortar esse artigo da Constituição? Não podemos. O que eles fizeram foi isso, fizeram cortar um artigo da Constituição que prevê a presunção da inocência.

 

É um tipo de criminalidade absolutamente distinto, novo. Nem é criminalidade do colarinho branco, é muito mais do que isso, é uma criminalidade permanente. Porque continuam praticando crimes. Então a prisão preventiva é necessária. O ministro Gilmar Mendes está completamente errado nesse ponto (ao criticar as prisões preventivas). Uma propaganda que ele faz contra as prisões preventivas. As prisões preventivas nesses casos são necessárias. Continuam praticando crimes.

 

Não, não há.

 

Não, eu considero uma generalização isso. Porque muitas delações foram feitas sem que existissem prisões.

 

Clientes nossos preferiram fazer e escolheram um advogado para isso e eu concordei. Nosso escritório não faz.

 

Não vejo risco, porque a Lava Jato tem uma base social muito grande. Todos apoiam essa mudança, essa revolução. A sociedade apoia, portanto ela não vai cair.

 

Não faz parte da ética profissional. Tem sido comum em alguns casos da Lava Jato. Senti, depois de duas horas de interrupções permanentes, que o objetivo era tentar impedir que o interrogatório se consumasse. Minha intervenção foi no sentido de que o colega não poderia se portar com aquelas agressões pessoais.