Título: Juristas querem flexibilizar aborto
Autor: Filizola, Paula; Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2012, Brasil, p. 12

Colegiado que discute mudanças nas leis estuda permitir a prática a dependentes químicas e a mulheres cujos fetos tenham doenças graves

A comissão de juristas responsável por elaborar o anteprojeto do novo Código Penal aprovou ontem propostas de mudanças nos artigos da legislação brasileira que tratam do aborto. O documento prevê como possibilidades para a permissão do aborto — além das já previstas em lei — "quando a mulher for vítima de inseminação artificial com a qual não concordou; quando o feto for diagnosticado com anencefalia e outras doenças físicas ou mentais graves; e por vontade da gestante até a 12ª semana de gravidez, caso um médico ou psicólogo constatem que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade", como dependentes de drogas, por exemplo. Essas sugestões vão integrar o texto a ser transformado em projeto de lei.

Relator do anteprojeto, o procurador regional da República da 3ª região Luiz Carlos dos Santos Gonçalves reiterou que o principal é que a proposta manteve o aborto como crime, afastando a hipótese de descriminalização. Segundo ele, as sugestões aprovadas ontem levam em consideração situações "extraordinárias", como, por exemplo, mães viciadas em drogas, que poderão abortar até a 12ª semana de gestação caso queiram e o médico ateste o vício. "Atualizamos a legislação do aborto para o século 21, já que o código vigente é de 1940. As mudanças levam em conta a saúde da mulher", disse. O relator ainda afirmou que eventuais mudanças dependerão de avaliação do Senado. Atualmente, o anteprojeto está em fase final de elaboração e deve ser entregue em maio ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Presidente da comissão de juristas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp considera a ampliação das possibilidades legais de aborto um avanço. Segundo ele, muitos casos já ocorrem hoje baseados em decisões jurídicas precárias. Apesar de não participar do colegiado, o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde na Câmara, defendeu as possibilidades incluídas no anteprojeto. "Acredito que o conservadorismo do Senado não vai permitir que isso passe, mas eu considero um avanço", argumentou.

Pressão Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, evitou atacar a proposta abertamente, mas ressaltou que "todos sabem a opinião da entidade sobre o aborto". "Nós entendemos que esse não é o momento de nos manifestarmos. Quando o Congresso Nacional começar a discutir efetivamente um projeto de lei, nós participaremos das audiências públicas", disse o bispo. Apesar da posição mais reservada, a CNBB enfatizou ontem, último dia de reunião do Conselho Permanente da entidade, instância de decisão abaixo apenas da Assembleia Geral, que os bispos participem ativamente das discussões sobre a reforma do Código Penal, tanto no Senado quanto na comissão da Câmara que está finalizando relatório sobre a matéria. A ideia é pressionar pela não aprovação de temas sobre aborto, redução de maioridade penal, entre outros assuntos em pauta.

O Ministério da Saúde e a Secretaria de Políticas para as Mulheres também preferiram não se manifestar. Para os órgãos do Executivo, essa discussão ainda é prematura e não faz parte dos respectivos planos de ação. A SPM declarou que só trata de assuntos dentro da pauta do governo e da questão integral da saúde da mulher. Já a assessoria de comunicação da Saúde frisou que a pasta segue o que determina a lei. De acordo com a assessoria, o ministro Alexandre Padilha não foi convidado para integrar o debate, mas caso seja convidado, deve comparecer.

Colaborou Renata Mariz

Desconforto No início de fevereiro, quando Eleonora Menicucci foi indicada ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, o tema aborto voltou a ser discutido e causou certo desconforto em alguns setores da sociedade. Antes de integrar a equipe do governo federal, a socióloga de formação se declarava favorável à prática e, inclusive, afirmara que já tinha feito o procedimento duas vezes. Quando ela tomou posse, parlamentares da bancada evangélica pediram a demissão imediata com o argumento de que a ministra era contra a vida.

Médico do SUS é preso em MT Oito pessoas foram detidas ontem, em Barra do Garças (MT), suspeitas de contrabando de medicamentos proibidos no Brasil. Entre elas estava um médico, que também é acusado de fazer aborto em hospitais da rede pública por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Os procedimentos ocorriam durante o plantão do profissional, principalmente à noite e nos fins de semana, quando o movimento era menor na unidade de saúde. Cada aborto, conforme a PF, custava em torno de R$ 3 mil. Segundo a Polícia Federal, que desencadeou na cidade a Operação Pró-Vita, na manhã de ontem, entre os remédios havia abortivos, medicamentos para disfunção erétil e contra a obesidade. Além do médico, foram presos farmacêuticos e atendentes de farmácias. (Edson Luiz)

O que diz a lei O artigo 124 do Código Penal Brasileiro afirma que provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa o provoque é crime. A pena para a mulher gestante varia de 1 a 3 anos de cadeia. De acordo com o artigo 126, o médico que realiza o procedimento com permissão da paciente pode ser punido com detenção de até 4 anos. Já o artigo 125 prevê condenação de 3 a 10 anos para a pessoa que provoca aborto em outra sem consentimento. Nos últimos dois casos, se a mulher sofrer lesão corporal, a pena aumenta um terço. Caso ela morra, a pena dobra. Na legislação atual, o artigo 128 diz que o aborto é legal apenas para casos de gravidez resultante de estupro ou se a mulher corre risco de morte devido à gestação.