Valor econômico, v. 17, n. 4336, 14/09/2017. Brasil, p. A5.

 

 

Após dois anos de crise, Zona Franca mostra sinais de recuperação

Marina Falcão

14/09/2017

 

 

Produtora de bens de consumo de segunda necessidade para o mercado doméstico, a Zona Franca de Manaus começou a dar sinais de saída da crise. O faturamento das empresas da região - hoje mais conhecida como Polo Industrial de Manaus (PIM) - voltou crescer depois de dois anos consecutivos de retração. A reação ainda é tímida e heterogênea entre os setores, mas pode ser verificada pela melhora da situação de emprego na região.

"Vínhamos num mergulho muito acelerado. Agora o avião deu uma estabilizada lá embaixo, mas estabilizou", diz Appio Tolentino, superintendente do PIM. De 2014 a 2016, a região perdeu R$ 12,8 bilhões em vendas nominais - de um total de R$ 87,4 bilhões - por conta da retração da demanda e foram eliminados cerca de 37 mil empregos.

O movimento de queda se inverteu nos primeiros seis meses desse ano, quando o faturamento das empresas avançou 7,69% em relação ao mesmo período do ano passado. No acumulado dos últimos 12 meses, as vendas recuaram 1,66%.

No primeiro semestre, o saldo de empregos voltou a ficar positivo - em 424 vagas. Trata-se uma evolução, se comparado ao desempenho de 2015 e 2016, quando o saldo de empregos foi negativo em 26 mil e 6 mil, respectivamente. Para Tolentino, os sinais são de que muitas empresas consumiram seu estoque, usaram as horas extras, a ociosidade que tinham e agora começam a contratar. "Estamos em um ponto de inflexão", diz.

Para Gerson Aoki, diretor da Avanplas, de compostos termoplásticos, está claro que há um descolamento da economia da crise política. "Com tudo isso que está acontecendo na política, se não estivesse havendo um descolamento da economia, haveria impactos no câmbio e no juros e não é isso que estamos vendo", afirma.

 

 

O empresário diz que o faturamento da Avanplas pode crescer até 10% este ano, impulsionado pelos saques do FGTS. Ele acredita, no entanto, que só vai voltar a contratar mão de obra quando a nova legislação trabalhista entrar em vigor. "Hoje a gente pensa mil vezes antes de contratar, porque o custo de demitir é muito alto. Precisamos de mais flexibilidade", afirma. De 2014 para cá, a empresa reduziu em 25% - para 40 - o número de funcionários.

Fabricante de cabos para o setor de eletrônicos, a Digicabo cortou pela metade o número de funcionários no ano passado. Foram 50 pessoas demitidas. A empresa ainda não voltou a contratar, mas parou de demitir, explica Gilberto Luccas, um dos sócios da empresa. Ele diz que não há nenhum empresário da Zona Franca na "situação de conforto", mas também avalia que a economia está descolando da crise política. Luccas acredita que, no ano que vem, haverá uma reação mais clara das vendas.

Carlos Harada, diretor industrial da Elsys, fabricante de componentes para a linha branca e para receptores de sinal de televisão, diz que os quatro primeiros meses puxaram a alta das vendas no primeiro semestre. No momento, diz, há uma "estabilização, com perspectiva de alta nos próximos meses".

De acordo com levantamento da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a retomada é verificada em setores como eletroeletrônico, informática, químico e termoplástico e telefones, mas ainda não dá sinais em segmentos como aparelhos de ginástica e telejogos.

O segmento que mais sofre, no entanto, é o de duas rodas (motos e bicicletas). O setor, que chegou a representar 21% do faturamento da Zona Franca, hoje responde por 14%, depois de sucessivas quedas no faturamento. "O segmento de duas rodas não reage, porque ainda temos problemas sérios de financiamento ao consumidor", explica Tolentino, da Suframa.

André Takashi, diretor da G.K&B, indústria de componentes para o setor de duas rodas, diz que o segmento ainda está desovando estoques do período de expansão. "Se houver alguma recuperação nesse setor, vai ficar para o próximo ano", diz.

Com o horizonte ainda pouco definido, as empresas da Zona Franca são conservadoras ao firmar contratos de compra de energia. "As empresas estão optando por contratar em 2018 o mesmo volume de 2016 e 2017 e, se houver necessidade, fazer um contrato adicional", explica Ursula Vieira, gerente comercial do grupo Delta Energia, que atende grandes indústrias de bens de consumo, bebidas e do setor de duas rodas da região.

Criada para compensar desigualdades regionais através de incentivos fiscais para atrair empresas a uma região cercada por água, a Zona Franca sofreu nos últimos anos com a concorrência de outros Estados, especialmente da região Nordeste, que concederam benefícios fiscais irregularmente. "A gente ainda atrai empresas, mas não é como antes por conta dessa concorrência", afirma Tolentino.

Tolentino classifica como "razoável" o projeto para convalidar os incentivos fiscais concedidos pelos Estados com a perspectiva de extinção dos benefício em 15 anos, com a aplicação de um princípio de regressividade.

"Para a gente, o ideal seria que todos os incentivos fossem imediatamente proibidos e extintos, mas temos que ter bom senso, porque as empresas agiram de boa fé." Ele diz que a Suframa estuda abrir dois escritórios fora do país (Europa e Ásia) para acelerar a atração de empresas para a região.