Valor econômico, v. 17, n. 4336, 14/09/2017. Política, p. A11.

 

 

Supremo dá aval para que Janot denuncie Temer

Luísa Martins, Cristiane Bonfanti e Murillo Camarotto

14/09/2017

 

 

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) avalizaram a legitimidade do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para apresentar uma nova denúncia contra o presidente Michel Temer, sobre quem já pesa a acusação de corrupção passiva - ainda que parada nos escaninhos da Corte após a rejeição pela Câmara dos Deputados.

Na sessão de ontem, os ministros presentes entenderam, por unanimidade, que Janot não poderia ser considerado suspeito de atuar nos casos que envolvem o presidente Michel Temer, desprovendo recurso protocolado pela defesa do pemedebista.

O plenário também decidiu adiar, para a próxima semana, o julgamento de uma questão de ordem que busca impedir que o procurador-geral ofereça novas denúncias contra Temer até que sejam esclarecidos todos os fatos referentes à reviravolta nas delações premiadas do grupo J&F - a partir das quais o presidente passou a ser alvo de investigações na Operação Lava-Jato.

Com isso, Janot está apto a novamente denunciar Temer. O procurador-geral, segundo apurou o Valor, pretendia fazê-lo ontem, logo após a sessão. Por questões de estratégia, no entanto, decidiu que vai encaminhar a peça hoje. A nova acusação, que deverá envolver os crimes de obstrução de justiça e organização criminosa, também precisará do aval da Câmara para ser julgada pelos ministros do STF.

"No presente momento, como não há uma ordem emanada do Supremo, o procurador-geral tem plena liberdade para agir sem esse tipo de limitação", explicou o decano da Corte, ministro Celso de Mello, em fala a jornalistas logo após a sessão.

O que pode ocorrer, segundo hipótese levantada pelo ministro, é o STF emitir uma ordem sustando o processamento da denúncia e seu encaminhamento à Câmara para que, neste intervalo, os fatos sobre as delações da JBS sejam esclarecidos. O decano salientou, porém, que essa seria uma medida "extraordinária" para os padrões da Corte.

Durante a sessão, o ministro Marco Aurélio Mello disse que, ao longo dos 27 anos em que integra o Supremo, é a primeira vez que a Corte é provocada a impedir a atuação do Ministério Público Federal. "Obstaculizar a oferta de uma denúncia é algo grave, porque quebra o sistema legal e constitucional", criticou, indicando como vai se posicionar em relação ao caso.

O adiamento da decisão sobre a possibilidade de paralisar as investigações contra Temer até que estejam completamente concluídas as apurações da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre as omissões nas delações da JBS favorece Janot. Na quarta-feira, data marcada para o novo julgamento, ele sequer estará mais no cargo - mas não quer deixar esse processo de herança para a sua sucessora, Raquel Dodge, que toma posse na manhã de segunda-feira.

Na primeira parte da sessão, os ministros foram unânimes ao considerarem que Janot poderia continuar atuando nos processos contra Temer. O placar foi de 9 a 0 - os ministros do Supremo são 11, mas Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso não compareceram ao julgamento.

Todos os demais - Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia - acompanharam o relator, ministro Edson Fachin.

O voto mais longo e categórico foi o do decano. Contrariando a arguição da defesa de Temer, que acusava Janot de não ter a imparcialidade necessária para o cargo de procurador-geral, Celso de Mello disse que o Ministério Público deve atuar, isso sim, como parte, "senão debilitada estará sua função repressiva, seu papel de órgão punitivo do Estado".

A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, disse não haver demonstração de dúvida quanto à condução de Janot no caso, mas, além de seu voto, deu um alerta: investigações como a da Lava-Jato não irão parar por causa de um eventual fim de mandato ou impedimento de um procurador-geral da República.

Havia uma grande expectativa da participação de Gilmar no julgamento - ele tem proferido duras críticas à atuação de Rodrigo Janot quanto às delações da JBS -, mas o magistrado preferiu ficar em seu gabinete, acompanhando a sessão pela televisão e assinando seus despachos.

Em nota, a assessoria do ministro disse que Gilmar tem uma "interpretação restritiva" sobre as regras de suspeição e impedimento, indicando que, apesar dos recentes ataques a Janot, votaria como os demais colegas.

O recurso chegou ao plenário do Supremo por solicitação do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que representa Temer. Ficou para a próxima quarta, também, o julgamento de outra questão de ordem ajuizada por Mariz - a que discute a validade das provas produzidas a partir das delações do grupo J&F, agora que os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud estão presos por omissão em seus acordos.