Valor econômico, v. 17, n. 4341, 15/09/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Uso de ações pelo BNDES para pagar Tesouro pode elevar dívida líquida

Ribamar Oliveira e Murillo Camarotto

15/09/2017

 

 

A proposta defendida pela direção do BNDES - usar ações para antecipar o pagamento de empréstimos ao Tesouro - não ajuda o governo a cumprir a "regra de ouro" do Orçamento neste e no próximo ano, um dos objetivos da área econômica, explicaram ontem ao Valor fontes oficiais. Além disso, acrescentaram, a operação não é neutra do ponto de vista fiscal, pois eleva a dívida líquida do setor público.

A "regra de ouro" do Orçamento prevê que o governo só pode emitir títulos públicos em montante igual às despesas de capital (investimentos, inversões financeiras, juros e amortizações). Como a União vem registrando seguidos e elevados déficits primários, corre o risco de emitir títulos em volume superior às despesas de capital. O governo usou, em 2016, e pretende usar neste e no próximo ano os pagamentos antecipados do BNDES para abater a dívida e assim não ferir a "regra de ouro".

Ao receber as ações do BNDES, o Tesouro teria que vendê-las em mercado, mas não poderia fazê-lo de imediato e em montantes elevados, pois isso iria derrubar as cotações das ações. Assim, não teria os recursos de que precisa para abater a dívida.

Outra fonte explicou que a operação proposta pela direção do BNDES tem impacto fiscal, pois aumenta a dívida líquida do setor público. O empréstimo concedido ao BNDES é um haver financeiro do Tesouro e usado no cálculo da dívida líquida. As ações, por sua vez, não são computadas nas estatísticas do Banco Central como ativo financeiro. Se, em vez de fazer o pagamento antecipado dos empréstimos com títulos ou em dinheiro, o BNDES utilizar ações, os haveres financeiros do Tesouro junto ao banco estatal diminuirão. Por isso, a dívida líquida aumentará.

A dívida líquida é a diferença entre os débitos existentes e os haveres financeiros. Um aumento da dívida é considerado déficit pela metodologia do Banco Central.

Em dezembro de 2016, o BNDES antecipou o pagamento de R$ 100 bilhões. Do total, R$ 40 bilhões foram pagos em títulos e R$ 60 bilhões em dinheiro, segundo dados do Tesouro. O dinheiro recebido foi usado para abater a dívida e ajudou o governo a cumprir a "regra de ouro" naquele ano.

Fontes consultadas pelo Valor acreditam que as alternativas apresentadas pelo BNDES à proposta de antecipação do pagamento de R$ 180 bilhões revelam o desejo de não reduzir o caixa da instituição. "Eles não querem antecipar o pagamento e procuram saídas", disse uma fonte.

Nos contratos dos empréstimos feitos pelo Tesouro com o BNDES existe uma cláusula que permite ao banco antecipar o pagamento da dívida. A pretensão precisa ser apresentada pela direção do banco ao ministro da Fazenda. O Tesouro não pode tomar a iniciativa de propor a devolução. Essa particularidade formal mostra que se a direção do banco não concordar com a iniciativa, poderá criar dificuldades ao governo.

O Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, ainda não têm clareza sobre a legalidade do eventual uso de ações pelo BNDES para antecipar o pagamento. A área técnica do TCU acredita que o uso de ações pode ter uma série de "implicações" ainda não devidamente avaliadas. Na área econômica, existem também dúvidas sobre o amparo legal da estratégia do ponto de vista da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).