O Estado de São Paulo, n. 45267, 24/09/2017. Política, p.A10

 

 

 

Na Câmara, 1/4 estouraria limite de gasto em eleição

Projeto fixa em R$ 2,5 milhões o teto de despesas para uma vaga de deputado; em 2014, 122 eleitos prestaram contas acima desse valor
Por: Alexandra Martins / Marianna Holanda

 

Alexandra Martins

Marianna Holanda

 

Tendo como base a eleição de 2014, um em cada quatro deputados federais teria ultrapassado o teto de gasto de R$ 2,5 milhões proposto em projeto de lei pelo relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT-SP). O texto será debatido nesta terçafeira no plenário da Casa. Dos 513 parlamentares, 122 deles (24%) gastaram mais do que o limite apresentado na proposta de Cândido.

No caso de Arlindo Chinaglia (PT-SP), parlamentar campeão de gastos, a proporção é quatro vezes maior. A campanha do petista custou R$ 10,2 milhões (valores atualizados) em 2014, segundo levantamento realizado pelo cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Se mantidas as atuais regras, no ano que vem as eleições majoritárias e proporcionais terão financiamento exclusivo de pessoas físicas. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais as doações empresariais. Pela lei, somente pessoas físicas podem doar a candidatos sob o limite de 10% do seu rendimento no ano anterior à campanha.

Senado e Câmara têm hoje pressa para estabelecer alternativas . Qualquer mudança deve ser aprovada até 7 de outubro para valer na próxima eleição. “As campanhas são muito caras aqui no Brasil”, afirmou Nicolau. Segundo ele, o único país com gastos eleitorais maiores são os Estados Unidos. “Na França, na Alemanha, mesmo convertendo real para euro, as campanhas são mais baratas.”

Um deputado federal eleito em 2014 gastou, em média, 15 vezes mais do que um candidato derrotado. O total de despesas dos postulantes a uma cadeira na Câmara foi de R$ 1,4 bilhão (valores atualizados), o que representa gasto médio por concorrente de R$ 286 mil. As campanhas mais caras, proporcionalmente, foram em Goiás, com média per capita de gasto de R$ 984 mil. As mais baratas, no Amapá – média de R$ 115 mil.

Para explicar melhor como funciona a relação entre gastar e ganhar eleição, Nicolau usou uma metáfora. “Mal comparan- do, um time de futebol tem mais chances de chegar entre os primeiros em um campeonato se tiver jogadores mais caros”, disse. Em 2014, porém, oito deputados gastaram menos de R$ 100 mil e foram eleitos.

Os “times” que mais apostaram em seus “jogadores” foram PT, PMDB e PSDB. Como são os maiores partidos, com maiores bancadas, mais municípios e passagens pelo Palácio do Planalto no currículo, são os que mais lançaram candidatos e, assim, os que mais gastaram. Juntos, desembolsaram 40% do total, ou R$ 558 milhões.

Para o professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Glauco Peres, o diagnóstico é de que há cada vez mais candidatos e, para triunfar nas urnas, é necessário gastar mais. Conforme Perez, contudo, o “fator dinheiro” ajuda a compensar os que são desconhecidos na política.

“Quem já é político, deputado no caso, tem mais acesso a cargos e recursos do que quem está começando. E eles têm dupla vantagem: acabam arrecadando mais porque são conhecidos. Então, se por um lado baratear campanha permite que qualquer um possa se candidatar, acaba favorecendo quem já é conhecido”, afirmou Peres.

 

‘Dobradinhas’. O quadro delimitado por Peres está presente no levantamento: mesmo os detentores de mandato, que possuem maior facilidade de arrecadação, têm de gastar muito para se reeleger. É o caso de Chi- naglia. O deputado paulista, que já presidiu a Câmara e exerce mandatos seguidos desde 1999, gastou R$ 10,2 milhões no último pleito. Ele arrecadou R$ 5,8 milhões – segundo o petista, a dívida de campanha persiste e hoje é de R$ 3,6 milhões.

O petista afirmou que suas despesas foram recorde porque fez “dobradinhas” com deputados estaduais, nas quais honrou mais compromissos do que poderia. “Estou seguro de que nas próximas eleições os valores vão ser diferentes. Por vários motivos, espero que haja o financiamento público e a lista preordenada, que são as melhores formas de baratear uma campanha”, disse o deputado.

Em 2007, Chinaglia foi presidente da comissão especial de reforma política que analisou um projeto que propunha essas medidas, mas foi engavetado.

Já Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ) foi eleito pela primeira vez em 2014. Filho do exgovernador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), Marco Antônio assumiu a Secretaria de Esportes e Lazer do Rio, na gestão de Luiz Fernando Pezão (PMDB), aos 23 anos. No ranking, ficou em segundo, com R$ 8,2 milhões. Segundo a prestação de contas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o valor arrecadado por Marco Antônio foi exatamente o mesmo que o gasto.

Procurado pelo Estado, Marco Antônio disse, em nota, que, “independentemente do valor gasto, todas as normas da legislação eleitoral foram cumpridas de forma transparente e dentro da legalidade”.

Não muito atrás, em termos de gastos, está a deputada Iracema Portella (PP-PI). Aos 55 anos, ela está na segunda legislatura e, para se reeleger, gastou R$ 8,13 milhões. Sua prestação de contas informa um saldo positivo de R$ 1,2 mil. O Estado entrou em contato com a deputada, mas não obteve resposta.

Entre os estudiosos, é comum o entendimento de que a solução para as campanhas caras não é a criação de um fundo eleitoral. “O que barateia campanha é colocar limite nominal, não proporcional, para doações de pessoas físicas”, disse Peres.

Para Nicolau, em vez de “criar mais um fundo público, com identidade própria e valor absurdo”, o melhor seria reforçar o Fundo Partidário, com 30% de recursos públicos em anos eleitorais, por exemplo.

 

Custo

“Campanhas são muito caras no Brasil. Na França, na Alemanha, mesmo convertendo real para euro, aqui são mais caras.”

Jairo Nicolau

CIENTISTA POLÍTICO DA UFRJ E AUTOR DA PESQUISA

 

“Se por um lado, baratear campanha permite que qualquer um possa se candidatar, acaba favorecendo quem já é conhecido.”

Glauco Peres

CIENTISTA POLÍTICO DA USP

 

 

 

 

 

 

 

 

Em data-limite para reforma, Congresso prioriza fundo

 

Isadora Peron

Renan Truffi / BRASÍLIA

 

Sem conseguir implementar mudanças efetivas para as eleições de 2018, o Congresso Nacional vai concentrar esforços nas próximas duas semanas para aprovar a criação de um fundo público para o financiamento de campanha.

Hoje, a preocupação de deputados federais e senadores é uma só: como levantar recursos para abastecer as campanhas no próximo ano, uma vez que em 2015 o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu as doações de empresas. Tanto o Senado quanto a Câmara estão debruçados sobre essa questão.

Diante da dificuldade dos deputados de avançarem com as propostas da reforma política no plenário, os senadores começaram na semana passada a articular um “plano B”. O Congresso tem pressa porque, para valer em 2018, as novas regras eleitorais precisam ser aprovadas até 7 de outubro – um ano antes das eleições.

A iniciativa no Senado tem sido patrocinada pelo líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ele foi um dos primeiros a defender a criação de um fundo público que, nas suas contas, poderia chegar a pelo menos R$ 3,6 bilhões.

Os passos dos senadores estão sendo combinados com o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP). Por causa do prazo exíguo, a proposta que avançar primeiro em uma das Casas deve ser apreciada em seguida pela outra.

Apesar de terem o mesmo objetivo, deputados e senadores ainda não chegaram a um acordo em relação a dois pontos importantes: a origem do dinheiro para abastecer o fundo e, principalmente, qual vai ser o tamanho desse montante.

Pelo texto costurado por Jucá, que partiu de um projeto apresentado pelo líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), além dos recursos de emendas de bancadas, o fundo seria abastecido com valores da compensação fiscal cedidos às emissoras de rádio e TV que transmitem os programas político-partidários. Os programas deixariam de existir e o dinheiro seria destinado para as campanhas. Já pelo projeto do petista Vicente Cândido, o dinheiro sairia das mesmas emendas de bancadas, dos recursos destinados às fundações partidárias em ano eleitoral e também de metade dos gastos do governo federal com publicidade em ano de disputa. Em meio à briga entre PMDB e DEM, o presi- dente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), trocaram declarações públicas mostrando que o consenso sobre a questão está longe de ser alcançado.

 

Desentendimento. Assim que soube que um texto articulado por Jucá estava sendo analisado pelo plenário do Senado na quarta-feira passada, Maia reagiu: “O que eu combinei com o Eunício foi votar o texto do Caiado”, disse o presidente da Câmara. O presidente do Senado rebateu: “Eu não sei com quem foi feito o acordo. Eu não fiz acordo para aprovar o texto do Caiado”, disse.

Na quinta-feira passada, Maia afirmou que, no seu entendimento, o fundo eleitoral para bancar campanhas em 2018 deveria ter um valor entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão.

 

DEM. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados