O Estado de São Paulo, n. 45267, 24/09/2017. Economia, p.B1
Por: Renata Agostini Cleide Silva
Renata Agostini
Cleide Silva
Um impasse entre a equipe econômica e o Ministério da Indústria (Mdic) travou as discussões sobre o novo regime automotivo e ameaça atrasar o lançamento do Rota 2030, como foi batizado o programa que substituirá o Inovar-Auto. As novas regras precisam estar prontas até 3 de outubro ou não haverá tempo hábil para que a nova política entre em vigor no dia 1.º de janeiro.
Segundo integrantes do governo e executivos de montadoras, há dois problemas na mesa. O primeiro é de ordem orçamentária. Em razão do aperto fiscal, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento resistem em manter a renúncia fiscal de R$ 1,5 bilhão ao ano concedida no Inovar-Auto. Os técnicos do Mdic, responsáveis por desenhar as bases da nova política, desejam manter a desoneração sob o argumento de que é preciso instrumentos adicionais para acelerar investimentos em pesquisa e desenvolvimento. As montadoras também defendem o incentivo alegando que ele é dado pela maioria dos países. “Sem investimentos em P&D e em engenharia locais a indústria não vai se inserir globalmente”, diz um dirigente do setor.
O governo deseja que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) seja definido pela combinação entre as cilindradas e a eficiência energética do automóvel. Mas há embate sobre quais serão as alíquotas do imposto. A equipe econômica deseja um arranjo que não prejudique a arrecadação. Os técnicos do Mdic ainda tentam chegar a esse modelo, que no jargão do mercado é chamado de “fiscalmente neutro”.
O segundo problema é de ordem legal. Integrantes da equipe econômica dizem que há pontos no programa que podem levar a novas complicações na Organização Mundial do Comércio (OMC). O órgão condenou programas que compõem a política industrial do Brasil nos últimos anos, dentre eles o Inovar-Auto.
No desenho atual do Rota 2030, em vez de onerar em 30 pontos porcentuais o IPI para montadoras que não seguem as exigências, como a de produzir localmente, o acréscimo será de 10 pontos tanto para monta-
doras como para importadoras.
A disputa está na lista de requisitos para conceder a redução dos 10 pontos de IPI. O Mdic deseja incluir metas de eficiência energética, segurança veicular, além de exigências de investimento mínimo em pesquisa e desenvolvimento e enge- nharia e capacitação de fornecedores. Como não produzem, aos importadores caberia injetar recursos em um fundo para investimentos gerais.
Integrantes da equipe econômica e do Itamaraty alertam que as metas de investimento podem ser vistas como discriminação ao produto estrangeiro, o que é vetado pela OMC. Há tantos pontos de conflito que até integrantes da Anfavea (a associação das montadoras) já contam com atraso no lançamento do programa.
Mediação. O ministro Marcos Pereira, do Mdic, solicitou ao Planalto que interviesse nas discussões. Na quinta-feira, houve reunião entre os secretários executivos da Fazenda e do Mdic e o secretário da Receita Federal. Segundo interlocutores, o impasse se manteve em diversos pontos. As discussões seguirão nesta semana e os ministros das pastas devem ser chamados.
Procurados, Ministérios da Fazenda e da Indústria e a Anfavea não quiseram comentar.
Renúncia
R$ 7 bi
é o valor da renúncia fiscal nos cinco anos do programa InovarAuto; montadoras afirmam ter investido R$ 85 bi no período
PONTOS DE DISCÓRDIA
IPI
O governo quer que a cobrança seja baseada na combinação de cilindrada, como é hoje, e eficiência energética; não há consenso sobre as alíquotas
Habilitação
Metas serão iguais para fabricantes e importadores, mas há dúvidas sobre gastos mínimos em P&D, engenharia e etapas fabris
Incentivos
Manutenção do valor da renúncia fiscal em R$ 1,5 bilhão ao ano em apoio a projetos de inovação