Valor econômico, v. 17, n. 4337, 11/09/2017. Brasil, p. A5.

 

 

Déficit da Previdência urbana dobra este ano e vai a R$ 36,5 bilhões

Ana Conceição e Edna Simão

11/09/2017

 

 

A previdência urbana registrou déficit 102,5% maior em termos reais nos sete primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Secretaria de Previdência Social. Uma receita que não acompanha o crescimento das despesas e o aumento nas concessões de aposentadorias estão entre as causas desse salto, que também foi afetado pelo aumento no pagamento de passivos judiciais no período.

O déficit urbano, que era de R$ 18,038 bilhões de janeiro a julho do ano passado, em valores atualizados pelo IPCA, subiu para R$ 36,53 bilhões no mesmo intervalo de 2017. No período, a arrecadação líquida da previdência urbana, incluindo a compensação pela desoneração da folha de pagamento, caiu 0,9%, e as despesas cresceram 7,6% em termos reais. Os gastos incluem passivos judiciais, cujo pagamento aumentou 100,4% no período, de R$ 3,54 bilhões para R$ 7,1 bilhões.

O déficit da previdência rural, que em valores absolutos é maior que o da urbana, cresceu menos no período, 5,3%, de R$ 57,102 bilhões para R$ 60,121 bilhões. Enquanto a arrecadação líquida sobe 5,5% em termos reais, a despesa incluindo o pagamento de passivos judiciais cresce 5,3%. Somadas as previdências urbana e rural, o déficit total aumentou 28,6%, de R$ 75,140 bilhões, para R$ 96,652 bilhões. O resultado da Previdência até julho indica que o déficit deste ano deve crescer menos que de 2015 para 2016. O governo estima que o resultado negativo chegue a R$ 185 bilhões, 23% acima dos R$ 150 bilhões do ano passado, período em que cresceu 74,5% sobre os R$ 85,8 bilhões de 2015.

O secretário de Previdência Social, Marcelo Caetano, disse ao Valor que não houve aumento "exagerado" das despesas, e sim uma receita que não reage devido ao aumento do desemprego provocado pela forte crise econômica. "A despesa está dentro do ritmo esperado, mas a receita reflete o mercado de trabalho", disse. No período de janeiro a julho, a arrecadação urbana saiu de um patamar em torno de R$ 220 bilhões, em 2014 e 2015, para R$ 200 bilhões em 2016, mantendo-se nesse nível em 2017, todos os valores em termos reais. Já as despesas foram crescentes e saíram de um patamar de R$ 201 bilhões em 2014, cresceram para R$ 207 bilhões em 2015, para R$ 220 bilhões em 2016 e chegaram agora a R$ 236,5 bilhões.

Para o especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), a arrecadação urbana tem refletido o desemprego, e sua recuperação ainda está longe. "Nos últimos três meses houve alguma recuperação no mercado de trabalho, mas ela tem sido muito lenta". Além disso, boa parte das vagas que têm sido criadas são informais, sem render arrecadação para a Previdência. Já a arrecadação rural, em sua avaliação, pode ter sentido algum efeito positivo do agronegócio neste ano de safra recorde.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram como caiu a população de contribuintes nos últimos anos. Em julho, apenas 64,1% das pessoas ocupadas com mais de 14 anos contribuíam para algum instituto de previdência. É o menor percentual desde fevereiro de 2014, quando foi de 63,8%. Essa queda reflete o aumento do desemprego no período e, mais recentemente, o trabalho informal. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, informa que o estoque de empregados com carteira assinada caiu de 41,4 milhões em julho de 2014, para 40,7 milhões em julho de 2015, depois a 39 milhões em julho de 2016 e a 38,4 milhões em julho deste ano.

No lado das despesas, além do reajuste do salário mínimo influenciar a conta previdenciária, Afonso também indica que pode haver antecipação daqueles que poderiam adiar um pouco mais o momento da aposentadoria diante da grande discussão em torno da reforma da Previdência. "As pessoas têm receio do que vai acontecer. Quem tem condição de se aposentar, se antecipa", diz. As novas aposentadorias concedidas de janeiro a julho deste ano aumentaram 13,6% ante o mesmo período do ano passado, de acordo com dados compilados dos boletins estatísticos mensais da Previdência Social. Os novos benefícios por tempo de contribuição (34% do total) - grosso modo, de valores mais altos - aumentaram 15,3%, enquanto aqueles por idade (51% do total), geralmente de valor mais baixo, subiram 9,5%. O estoque de aposentadorias (19,472 milhões) era 3,8% maior em julho deste ano ante julho do ano passado. O estoque das aposentadorias por tempo de contribuição aumentou 5,6%, o daquelas por idade cresceu 3,5% e, por invalidez, 1,5%.

Na avaliação do especialista em Previdência Social e consultor da Câmara, Leonardo Rolim, uma reversão sustentável do déficit da previdência urbana, que até 2015 registrava superávit, só será possível com a aprovação das novas regras de concessão de aposentadoria e pensões. Atualmente, conforme Rolim, a previdência urbana está sendo diretamente atingida por um problema conjuntural nas receitas (impacto da crise no mercado de trabalho) e estrutural nas despesas (necessidade de revisão das regras de aposentadoria e pensões). "A crise só acelerou a deterioração da previdência urbana, que apareceria mais tarde. A retomada da economia pode ajudar as receitas no curto prazo, mas a tendência no longo prazo é de continuidade do déficit se não houver uma reforma da Previdência", contou Rolim.

Outro ponto que ajuda a ampliar o déficit urbano é a chamada regra 85/95, que beneficia aqueles trabalhadores mais estáveis, que acabam completando a fórmula mais rapidamente e, portanto, se aposentando mais cedo. "Do ponto de vista das finanças públicas essa regra é um desastre. Foi a pior de todas as medidas para a Previdência", disse Luis Afonso, da USP.

A fórmula 85/95 é uma alternativa ao fator previdenciário. Quem se enquadra tem direito a receber a aposentadoria integral, sem precisar do fator, mecanismo que diminui o valor do benefício. A combinação pode variar conforme o caso de cada pessoa. O importante é a soma resultar em 85 (mulheres) ou 95 (homens). Mas é obrigatório ter um mínimo de contribuição: 30 anos de contribuição para mulheres e 35 para homens.

Segundo Caetano, o tamanho do déficit previdenciário urbano e rural está dentro do esperado, mas reforça a necessidade da reforma do sistema. "Esse aumento nos benefícios é normal por causa do envelhecimento da população. Por isso precisamos da reforma. O crescimento está dentro do que esperamos, mas claro que é preocupante", disse.

Já os pagamentos por questões judiciais, afirma o secretário, dependem do ciclo orçamentário e de outros fatores. A forte alta dos sete primeiros meses do ano decorreu de um grande volume de pagamento em maio, de cerca de R$ 5 bilhões. O Tesouro Nacional antecipou para os meses de maio e junho a quitação de precatórios, que normalmente ocorrem em novembro e dezembro. "Os valores da Previdência estão dentro dos parâmetros estimados, tanto que continuamos com as nossas projeções".