Valor econômico, v. 17, n. 4339, 13/09/2017. Brasil, p. A2.

 

 

Acordo após 13 anos deve levar lei de licenciamento ambiental a votação

Raphael Di Cunto, Cristiano Zaia e Daniela Chiaretti

13/09/2017

 

 

Depois de 13 anos de discussão, os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente fecharam acordo com a bancada ruralista, representantes do agronegócio, mineração e indústria em torno de uma Lei Geral para o Licenciamento Ambiental que deverá ser votada pela Câmara dos Deputados. Há, contudo, muitas críticas de políticos da oposição e ambientalistas. Para eles, o texto que pode ir a plenário é equivocado e permite graves impactos ambientais.

O texto pode até ser votado hoje na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara. É o que pretendem o presidente da comissão, Covatti Filho (PP-RS), e o relator, deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), para quem a aprovação "dará mais segurança sobre o acordo". Mas o líder do PSDB, deputado Ricardo Tripoli (SP), que deu o parecer na Comissão de Meio Ambiente e fez a interlocução com os ambientalistas, cobra que a votação aconteça diretamente no plenário.

O acordo costurado não atende totalmente as demandas dos técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) nem aos empresários e setores do governo muito interessados na lei - como as pastas das Minas e Energia, Cidades e Transportes. Representa um meio termo para que o texto que possa ser aprovado sem resistências dentro do próprio governo.

Haverá prazos para que órgãos federais como a Funai (para questões indígenas), a Fundação Palmares (no caso dos quilombolas) e o Iphan (patrimônio) se manifestem e eles não terão poder de veto. A palavra final será do órgão licenciador municipal e estadual ou do Ibama, no caso de grandes obras.

Este é um ponto muito polêmico. "A participação das autoridades envolvidas (Funai, Fundação Palmares e órgãos de proteção ao patrimônio histórico) encontra-se reiteradamente vilipendiada no texto proposto pelo relator, resultando em graves violações aos direitos dos povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos, além dos direitos sobre o patrimônio histórico e cultural", critica uma nota técnica do Instituto SocioAmbiental.

"A participação de todos os envolvidos garante equilíbrio. Quanto mais se ouve, menos judicialização. A Funai tem que ser ouvida, não adianta restringir", defende o advogado e deputado constitucionalista Fabio Feldmann.

Na visão de entidades empresariais, entretanto, as novas regras facilitarão os processos. "Os dois pontos principais são tirar a lentidão do licenciamento e a judicialização", diz o gerente-executivo de meio ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Shelley Carneiro. Pela costura negociada, as entidades representativas dos setores atuarão para votar o projeto no plenário da Câmara como está, sem emendas.

Já entre os deputados da base não há concordância total com o texto. Valdir Colatto (PMDB-SC), por exemplo, defende que, se os órgãos técnicos do governo federal não se manifestarem no prazo, seja interpretado como aval automático ao projeto. O texto, no artigo 32, contudo, diz que "o decurso dos prazos máximos previstos (...) não implica emissão tácita". Colatto avisa: "Vamos levar para o plenário e vou fazer emenda". Isso seria entendido como uma quebra do acordo político - o MMA não aceita emendas nem destaques.

Líder da bancada ruralista, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) diz que o acordo é institucional. "Não dá para fazer acordo individual com cada um dos 513 deputados e 81 senadores", comentou. Mauro Pereira também diz que alguns pontos podem ser decididos no voto. "Não tem como impedir que destaques sejam feitos", avisa.

O texto que pode ser votado hoje é a 13ª versão do substitutivo de Mauro Pereira. Tem 51 artigos, alguns muito controversos. Um parecer de Suely Araújo, presidente do Ibama, de dias atrás, listava seis pontos "com problemas sérios", no texto anterior de Pereira. Na versão que pode ser votada hoje na CFT, fruto do acordo político, técnicos do MMA consideram que só perderam em um tópico - justamente o que teria sustentado o consenso.

O MMA cedeu na isenção de licenciamento ambiental para cultivo de espécies agrícolas e pecuária extensiva. O Ibama queria que isso ocorresse desde que o imóvel estivesse "regularizado com a nova lei florestal". Os ruralistas conseguiram colocar a expressão "em regularização" abrindo um flanco sobre o controle dos passivos ambientais dos imóveis rurais.

"Apesar dos vários pedidos, o relator reiteradamente se nega a ouvir especialistas sobre o projeto, como a comunidade científica, que pediu para ser ouvida mas foi simplesmente ignorada", registra o advogado Maurício Guetta, do ISA. "Daí o resultado: um texto cheio de equívocos e com graves implicações para o ambiente e as populações afetadas por empreendimentos, com dispensas de licenciamento para atividades danosas, licenças autodeclaratórias e zero de participação social", continua.

Um ponto crucial para o MMA é que a localização do empreendimento seja um critério importante no licenciamento, assim como a natureza da atividade e o tamanho. Uma mineradora causa impacto ambiental diferente se for na Amazônia ou em uma região minerária de Minas Gerais, por exemplo. O texto anterior de Mauro Pereira dizia que os Estados poderiam definir qual o rito ambiental de um empreendimento (em três fases ou simplificado) e era falho em levantar o "aspecto locacional". O cheque em branco aos Estados poderia configurar uma "guerra ambiental" entre as unidades da Federação. O texto atual diz que um decreto federal, com propostas de uma comissão tripartite, irá regulamentar este quesito.

"Fala-se em uma lei geral, mas entra-se em um nível de detalhamento que pode acabar criando um Frankestein", critica Feldmann, que acredita na eficácia de uma lei com questões essenciais e princípios, e o resto regulamentado por decretos. Outra falha no projeto, segundo ele, é jogar boa parte dos processos para os órgãos estaduais. "Estão desmantelados. Isso não vai dar celeridade nem resolver. Ao contrário."