​Valor econômico, v. 17, n. 4345, 21/09/2017. Política, p. A8.

 

 

Maioria do STF é a favor de enviar denúncia contra Temer à Câmara

Luísa Martins e Cristiane Bonfanti

21/09/2017

 

 

Por 7 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria, ontem, para encaminhar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer à Câmara dos Deputados, negando o pedido da defesa do pemedebista para que o processo fosse paralisado até que esclarecidos todos os fatos envolvendo as omissões nas delações de executivos do grupo J&F. O julgamento será retomado na sessão de hoje - faltam três votos para compor o placar final.

A maioria dos magistrados entendeu, também, que não cabe à Corte, neste momento, discutir a validade das provas colhidas a partir das colaborações premiadas dos empresários Joesley Batista e Ricardo Saud, que embasaram a acusação de organização criminosa e obstrução de justiça que pesa contra o presidente.

Apesar da quase unanimidade até então - o único voto divergente foi o ministro Gilmar Mendes -, o julgamento de ontem trouxe um debate sobre a possibilidade de o relator identificar ilegalidades na denúncia antes de remetê-la à análise dos deputados, algo que não aconteceu na primeira acusação. Em junho, quando Temer foi denunciado por corrupção passiva, o Supremo foi um mero canal de passagem entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Câmara. O encaminhamento automático ao Legislativo sequer foi questionado entre os membros da Corte.

Entretanto, um novo ingrediente foi adicionado ao contexto da segunda denúncia, apresentada semana passada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot: a conclusão de que Joesley e Saud foram omissos em seus acordos de delação. Ambos cumprem prisão preventiva.

O primeiro a levantar a questão foi o ministro Dias Toffoli. Quando o julgamento já estava em 5 a 0 (Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux acompanhando o relator, Edson Fachin), ele pontuou uma "divergência teórica": em seu ponto de vista, o relator tem poderes para encaminhar uma denúncia direto à Câmara ou, se entender haver alguma ilegalidade na acusação, levar o caso a plenário. "Se o STF pode rejeitar um inquérito por inépcia ou justa causa, qual a razão para imunizar denúncia oferecida contra presidente?", questionou.

No caso concreto, como Fachin optou por enviar a acusação à análise da Câmara, Toffoli concordou. Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski votou no mesmo sentido - placar de 7 a 0.

Último a votar ontem, Gilmar discordou da maioria. Ele afirmou que o tribunal não pode se recusar a "atribuir importância jurídica aos elementos já coligidos" antes de enviar a denúncia ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O ministro também foi enfático ao dizer que a acusação contra Temer "é um apanhado de fatos anteriores" ao mandato - e, pela Constituição Federal, é proibido processar um presidente por crimes alheios ao cargo. "Nós temos de ter responsabilidade", assinalou. "Deixar para avaliar quais os fatos não são estranhos ao exercício das funções presidenciais apenas quando e se a Câmara autorizar o processo é uma forma de empurrar o problema com a barriga."

Para ele, o processo deve, sim, ficar paralisado até que estejam concluídas todas as apurações em torno da rescisão das delações da JBS, o que inclui a suposta orientação de membros do Ministério Público Federal (MPF) na gravação dos investigados na Operação Lava-Jato, sem a devida autorização do Supremo. Mais: deve ser devolvida à PGR para que a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, limite seu conteúdo aos crimes em tese cometidos por Temer enquanto chefe do Palácio do Planalto.

Ainda assim, por ora, permanece majoritário o entendimento de que, antes de qualquer análise pela Corte, é necessária a autorização de 2/3 dos deputados federais. Em memorial enviado a todos os ministros antes da sessão, Dodge também defendeu essa tese, apesar de a acusação ser de autoria de seu antecessor.

"A denúncia se submete à prévio juízo político por parte da Câmara e não há, portanto, razão para se precipitar qualquer pronunciamento deste tribunal nesta matéria. Não é possível interferir e impedir que a Câmara aprecie a admissibilidade da acusação. Neste momento, a palavra está com os deputados, e não com o Supremo", votou Barroso.

"Qualquer iniciativa do STF nesta fase preambular violaria a cláusula pétrea da separação dos poderes", complementou Fux.

Em Nova York, Temer comentou pela primeira vez a segunda denúncia oferecida contra ele, defendendo a harmonia entre os poderes: "O Supremo é soberano e decide de acordo com o que ele entende melhor."

Hoje, o julgamento será retomado com os votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia, presidente do tribunal.