O Estado de São Paulo, n. 45269, 26/09/2017. Economia, p.B1

 

 

 

Emprego no Centro-Oeste atinge níveis pré-crise; no Nordeste , só piora

Economia real. Supersafra criou um movimento em cadeia no Centro-Oeste e fez a população ocupada aumentar em 17 mil entre o 1º trimestre de 2015 e o 2º trimestre deste ano; no Nordeste, crise da indústria fez esse número cair 1,9 milhão no período

Por: Douglas Gavras

 

Douglas Gavras

ENVIADO ESPECIAL / CABO DE SANTO AGOSTINHO (PE)

 

Apesar de o emprego dar os primeiros sinais de reação, o mercado de trabalho não se recupera da mesma forma em todo o País. Enquanto na região Centro-Oeste o total de pessoas em atividade já recuperou os níveis pré-crise, no Nordeste, essa trajetória vai na contramão: a queda da população ocupada só se aprofundou entre o primeiro trimestre de 2015 e os três meses encerrados em junho deste ano.

Nesse período, o número de pessoas com trabalho no Brasil caiu 2,4 milhões, segundo cálculos da consultoria A.C. Pastore e Associados, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua).

No Sudeste, a queda na indústria e na construção civil ainda impedem uma recuperação mais robusta no número de brasileiros ocupados. Sem depender demais de um setor específico, a região Sul, por sua vez, é a que já está mais próxima da retomada. Já o mercado de trabalho da região Norte, apesar de ter registrado queda no número de ocupados na indústria e também ser dependente de investimentos, tem números melhores que os dos Nordeste – uma queda amortecida, em partes, por resultados positivos na indústria extrativa.

A região que mais chama a atenção positivamente, no entanto, é o Centro-Oeste. A popu- lação ocupada no segundo trimestre superou em 17,1 mil a do primeiro trimestre de 2015, quando o País começou a ter redução no número de ocupados. A supersafra gerou um movimento em cadeia na região, que aumentou as contratações não só na agropecuária, mas também no setor de serviços. Lá, esse foi o segmento que puxou o número de ocupa- dos para cima nos últimos três meses, com 149 mil a mais trabalhando desde 2015. Mato Grosso está atraindo mão de obra até de outros Estados.

“A agropecuária, mais dinâmica no Centro-Oeste, teve um desempenho tão positivo que ajudou a recuperar o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre e acabou gerando renda e afetando a região como um todo”, analisa o professor da FEA/USP Hélio Zylberstajn.

Ao mesmo tempo, o Nordeste ainda amarga a maior perda de pessoas ocupadas eé a única região sem ter dois trimestres seguidos de queda no desemprego. Entre 2015 e junho, a queda da população ocupada nos Estados nordestinos foi de 1,9 milhão – reflexo da crise da indústria e da escassez de investimentos.

 

Retrato da crise. O município de Cabo de Santo Agostinho é um retrato da situação precária do emprego na região: está entre as cidades do Nordeste que mais perderam postos de trabalho entre janeiro e agosto deste ano. Foram 2.449 postos a menos nesse período. A cidade divide com a vizinha Ipojuca a sede do conjunto que reúne porto, empresas, estaleiros e a refinaria de Abreu e Lima.

O município, que atraía mão de obra de outros Estados, hoje sofre com a falta de previsão para a construção da segunda fase de Abreu e Lima, com investimento estimado em mais de R$ 3 bilhões, e com o fim dos contratos para a construção de navios. Em frente à antiga prefeitura, onde os recém-chegados logo conseguiam trabalho, os moradores agora disputam uma vaga temporária – a maioria volta para casa sem nada.

“No Nordeste, levou mais tempo para que a crise econômica se refletisse no emprego. Enquanto o emprego no Sudeste e no Sul já começava a desacelerar no fim de 2014, no Nordeste, crescia. A demora para reagir agora faz parte do ciclo econômico”, diz Fernando Holanda Barbosa Filho, do Ibre/FGV.

Segundo ele, parte do cenário se explica pela queda dos investimentos públicos e da transferência de renda. “A base eleitoral da chapa vencedora em 2014 estava no Nordeste, e a política de deslocar recursos foi suficiente para ganhar a eleição. O ajuste veio na forma de alta do desemprego e demora para recuperá-lo.”

 

REALIDADES DIFERENTES

LARYSSA SILVA, DE 24 ANOS

‘Quem não criou laços aqui preferiu voltar para casa’

“Nunca tinha pensado em estudar enfermagem, até a crise chegar a Suape e o emprego que tinha conquistado a duras penas, como supervisora em uma petroquímica e depois no estaleiro Atlântico Sul, naufragar com a crise. Para mim, era uma grande conquista, depois de ter feito um curso técnico, em 2012, e começar uma carreira que parecia promissora. A gente percebeu o impacto dos últimos anos bem de perto. Nos bons tempos, de emprego farto, muita gente se mudou para Cabo de Santo Agostinho, a cidade cresceu e ruas brotaram do nada. Com o tempo, as vagas foram rareando e quem não criou laços, preferiu voltar para casa. Para manter as contas em dia, passei a trabalhar como maquiadora, primeiro com amigas e vizinhas e depois com a clientela que via meus anúncios nas redes sociais. Comecei aprendendo pelo YouTube e depois fiz um curso. Minha especialidade hoje é o design de sobrancelhas. É algo que sempre gostei de fazer e acabou me ajudando muito. No fim, a crise me deu oportunidade de descobrir outro talento, não quero voltar para a indústria, a área de saúde, além de ser gratificante, dificilmente tem crise.”/ D.G.

 

 

MARCELO JOSÉ DA PAZ, DE 40 ANOS

‘Na fila do emprego, nossas qualidades viram poeira’

“É difícil enfrentar essa fila todos os dias, sair de casa de madrugada, com o estômago quase vazio e, no fundo, imaginando que o esforço vai ser em vão. Mas tento não desanimar. Desde que perdi meu emprego, como carpinteiro, depois que as obras na refinaria de Abreu e Lima terminaram, tudo ficou muito difícil em casa. Até o bicos sumiram, ninguém quer gastar com o que não é de primeira necessidade. Sou experiente, nunca chegava atrasado e nem tinha reclamação do patrão, mas nessa fila, todas as qualidades da gente viram poeira. São muitas pessoas qualificadas, a maioria jovem e com vontade de trabalhar, mas que já não conseguem mais ter o mínimo de esperança.

Eu me mudei do Recife para mais perto de Suape há cerca de cinco anos, mas já estou desempregado há três. Acho que as coisas vão melhorar, mas é difícil entender como quem é mais pobre e está procurando emprego só recebe porta na cara, enquanto a política não dá trégua com todo o festival de roubalheiras. Pela primeira vez, acabei decidindo trazer os meus filhos mais velhos para tirar a carteira de trabalho. Quem sabe eles não têm mais sorte?”/ D.G.

 

MIZAEL LIMA DOS SANTOS, DE 24 ANOS

‘Aqui, estamos vendo futuro para a nossa família’

“Trabalhei sem registro numa panificadora em Brejo, no leste do Maranhão, e os R$ 20 que ganhava por dia não eram suficientes para manter a minha família. Há dois anos, decidi deixar meu Estado e tentar a sorte em Campo Verde, em Mato Grosso. No começo, passei a prestar serviços para outros agricultores, no assentamento Santo Antonio da Fartura e, como havia falta de mão de obra na época, chamei meu pai e um irmão para virem para cá. Juntos, começamos a plantar hortaliças em 15 mil metros quadrados. Hoje, a nossa produção de couve, cebolinha e outros legumes é vendida para compradores locais e gente de fora também, em Cuiabá.

Aqui em Mato Grosso, tive oportunidade de crescer e empregar meus parentes. Nesta época do ano, de chuvas, chegamos a ter um ganho livre de R$ 6 mil a R$ 7 mil por mês. Construí minha casa e consegui deixar de pagar aluguel, até comprei uma moto. O meu irmão, que era servente de pedreiro em Brejo, comprou duas motocicletas, que agora usa para transportar os legumes. Tenho muitas saudades da minha terra, mas aqui estamos vendo futuro para a nossa família.”/ J.M.T.