Título: Dilma e Merkel em rota de colisão
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2012, Economia, p. 9

Líder brasileira acusa países ricos de usarem "barreira tarifária" por meio do câmbio. Alemã reclama de protecionismo

Hannover, Alemanha — Duas das principais estrelas políticas da atualidade, a presidente Dilma Rousseff e a chanceler alemã Angela Merkel trocaram ontem, ainda que com elegância, farpas no primeiro dia da CeBIT, uma das maiores feiras de tecnologia no mundo, da qual o Brasil é o país homenageado. Enquanto a líder brasileira fez questão de manter as críticas contra os países ricos, entre eles, a Alemanha, que inundaram o mundo com US$ 8,8 trilhões nos últimos três anos para tentar salvar suas economias, a chefe de Estado europeia disse não ver com bons olhos o protecionismo adotados por vários países. Foi uma clara referência à decisão do Brasil de aumentar os impostos sobre carros importados, medida que pegou em cheio fabricantes alemãs.

A marcação de posições foi clara. "Nós vamos discutir a crise e as preocupações de cada uma. A presidente (Dilma) falou que está preocupada com um "tsunami monetário". Do nosso lado, estamos olhando onde estão as medidas protecionistas unilaterais", disse Merkel. Para ela, a solução para a guerra cambial, que tanto atormenta o mundo e faz derreter o dólar em relação às moedas de países emergentes, depende do fortalecimento do G-20, bloco que reúne as 20 principais economias globais. "Precisamos ser capazes de confiar uns nos outros, precisamos ser capazes de confiar em um marco justo de condições", acrescentou a chanceler.

Será necessário, porém, um esforço monumental para aparar as arestas. Tanto a Europa quanto os Estados Unidos e o Japão, que têm acionado as máquinas impressoras de dinheiro dos seus bancos centrais, garantiram que não há a menor possibilidade de reverterem, tão cedo, a injeção de liquidez que deram em suas economias. Mais que isso: manterão, por um longo período — pelo menos até 2014 —, a política de juros baixos, variando entre zero e 1% ao ano. A prioridade, no entender dos líderes dessas regiões, é evitar ao máximo a recessão, retomar a produção e o consumo e, sobretudo, reduzir os índices recordes de desemprego.

Sendo assim, países como o Brasil, que têm conseguido manter um nível adequado de crescimento econômico, vão continuar sofrendo. O real permanecerá forte em relação ao dólar, tirando a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Ao mesmo tempo, o mercado doméstico tenderá a atrair cada vez mais mercadorias importadas, operações facilitadas pelo dólar barato e pelo aumento da renda dos brasileiros. O temor de Dilma é que, diante desse quadro, o Brasil entre em um processo de desindustrialização e de destruição de empregos.

Tecnologia "A presidente Dilma não recuará um milímetro em suas críticas. O Brasil precisa se posicionar com firmeza nessa guerra cambial, que está nos custando caro", disse um assessor que acompanha a líder brasileira. Não à toa, ela classificou a ação das nações mais ricas de "barreira tarifária", por estarem desvalorizando "artificialmente" suas moedas, prejudicando as exportações de economias emergentes. No entender de Dilma, a política de juros baixos para estimular as economias europeias equivale a uma "forma artificial de protecionismo", já que o capital estrangeiro se desloca para o Brasil, onde a taxa básica (Selic) está em 10,50% ao ano. "O que o Brasil quer mostrar é que o câmbio e os juros baixos demais são uma forma artificial de proteção do mercado", disse. Essa espécie de "protecionismo" deixa os produtos dos EUA e dos países europeus mais competitivos artificialmente, além de estimular a formação de bolhas e estimular a especulação.

Indagada sobre se o governo brasileiro estava pedindo a Merkel uma intervenção na autonomia do Banco Central Europeu (BCE), Dilma respondeu: "Não. E sabe por quê? Porque estão interferindo na nossa. O que o Brasil quer é mostrar que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de mercado, que é o câmbio. O câmbio virou uma forma artificial de proteção".

Divergências à parte, a presidente brasileira destacou que o povo alemão tem espírito empreendedor e criativo e ressaltou os avanços do Brasil na área de tecnologia. Ela lembrou que o país já é o terceiro mercado de PCs no mundo e o quinto em telefonia celular. Destacou ainda os 41 milhões de usuários de internet banda larga no país e os 12 milhões de assinantes de TV a cabo (crescimento de 30% só no ano passado).

Barra cai no pé da presidente A presidente Dilma Rousseff foi atingida no pé esquerdo por uma barra de ferro, que formava o cordão de isolamento entre ela e os jornalistas, durante entrevista coletiva ontem em Hannover, na Alemanha. No momento do incidente, Dilma falava do "tsunami monetário" que, segundo ela, funciona como uma espécie de barreira tarifária e protecionismo aos produtos de países emergentes, como o Brasil. Ela gritou de dor. Depois, emendou com uma brincadeira, minimizando o ocorrido: "Passou, eu vou mancar até amanhã". E continuou a entrevista.