Valor econômico, v. 17, n. 4346, 22/09/2017. Política, p. A8.

 

 

STF aprova envio de denúncia contra Temer à Câmara

Murillo Camarotto, Cristiane Bonfati e Luísa Martins

22/09/2017

 

 

Fracassou ontem a tentativa do presidente Michel Temer de interromper a tramitação da segunda denúncia oferecida contra ele pela Procuradoria-Geral da República (PGR), por obstrução de justiça e organização criminosa. Por 10 votos a 1, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu encaminhar a acusação para a Câmara dos Deputados, que deve decidir em outubro se o presidente será processado. A peça foi enviada por volta das 20h de ontem ao secretário-geral da Câmara, Wagner Padilha.

Apesar do resultado favorável para a PGR, três ministros do Supremo questionaram abertamente alguns pontos dos acordos de colaboração premiada, especialmente as divulgações antecipadas e os vazamentos dos depoimentos dos delatores. As observações dos magistrados podem ser um sinal de que os acordos passarão por um escrutínio mais firme do tribunal.

Pelo entendimento atual do STF, se o investigado abrir mão do sigilo em relação à divulgação de fatos criminosos, o tribunal considera isso suficiente para dar publicidade aos relatos, sem necessidade de considerar a manifestação dos citados que querem a não divulgação dos fatos.

As ressalvas feitas por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli oferecem a Temer um cenário mais favorável para a votação da segunda denúncia pela Câmara. Apesar de não ter conseguido fazer suspeito o ex-PGR Rodrigo Janot e nem barrar a acusação, o presidente colocou as intenções dos seus acusadores sob uma sombra de dúvidas, o que facilita a tarefa dos deputados de engavetar a denúncia.

Outra questão importante, a validade das provas oferecidas por delatores que vierem a perder seus acordos também foi abordada no plenário. Apesar de não terem aberto uma votação sobre isso, alguns ministros se manifestaram, a maioria em defesa da legalidade das provas.

"Delação premiada, para mim, é depoimento. E, se nesse depoimento, se tem notícia de práticas criminosas, evidentemente uma omissão quanto a esse depoimento não pode prejudicar o que foi verbalizado pelo colaborador. Não há, uma vez rescindido o acordo, qualquer reflexo, irradiação a prejudicar, portanto, o que se tem como objeto", disse Marco Aurélio Mello, um dos ministros que votaram ontem.

Assim como a maioria do plenário, Marco Aurélio entende que não cabe ao STF analisar, neste momento, qualquer coisa sobre a denúncia contra o presidente. Essa avaliação só será feita caso a Câmara dos Deputados autorize o prosseguimento da acusação. "O juízo político de admissibilidade por dois terços da Câmara precede da análise jurídica desta casa", acrescentou a presidente do STF, Cármen Lúcia.

Além dela e de Marco Aurélio, votou ontem o decano do Supremo, ministro Celso de Mello. Ele disse que a corrupção é "perversão da ética do poder" e que nenhum cidadão pode viver com dignidade e uma sociedade corrompida. "Cabendo ressaltar que o dever de probidade e de comportamento honesto e transparente configura obrigação cuja observância impõe-se a todos os cidadãos desta República que não toleram o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper", afirmou.

Único voto divergente, o ministro Gilmar Mendes defendeu a devolução da denúncia para a PGR. Ele entende que a análise da defesa de Temer pelo STF é eminentemente jurídica, não ficando prejudicada pela autorização da denúncia pela Câmara - um procedimento político.

Gilmar também divergiu da interpretação de Janot sobre o alcance dos crimes atribuídos a Temer. O ministro lembrou que o presidente da República só pode ser acusado de crimes cometidos no exercício do mandato, e que a tese da PGR de que Temer vem cometendo um crime continuado ao longo dos anos não pode atingir o período presidencial.

"Mesmo que o crime seja único, a Constituição Federal é impositiva ao afirmar que o Presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções", afirmou Gilmar Mendes.