Valor econômico, v. 17, n. 4346, 22/09/2017. Legislação & Tributos, p. E2.

 

 

O compliance de prestadores de serviços

Paulo Henrique Gomiero

22/09/2017

 

 

Desde a entrada em vigor da Lei 12.846/13, a chamada Lei Anticorrupção, muito se discute acerca de cuidados e medidas de compliance a serem aplicadas na contratação de terceiros prestadores de serviços notadamente porque a empresa contratante será responsável por eventual prática antiética ou violações legais praticadas por aqueles.

Em outras palavras, um programa de compliance implementado por uma empresa não deve focar somente em monitorar e mitigar riscos próprios, mas também riscos praticados pelos terceiros por ela contratados. É neste contexto que se inserem as chamadas due diligence que se realizam previamente à contratação de prestadores de serviços, com o objetivo de identificar o compromisso destes com as melhores práticas de ética corporativa além de levantar riscos outros, tais como conflito de interesses e potenciais relações com o governo.

Não é demais lembrar que nos recentes casos de corrupção que tomam o noticiário brasileiro, como a Operação Lava-Jato, Zelotes e Carne Fraca, prestadores de serviços atuando como intermediários foram essenciais para a formação do esquema de corrupção. Valendo-se de serviços fictícios, notas fiscais frias dentre outros artifícios, foi possível movimentar os valores relativos à propina, como um facilitador da lavagem de dinheiro. Justamente por isso, a Lei Anticorrupção pretende manter contratantes e contratados como responsáveis em eventual prática lesiva à administração pública, evitando-se assim a impunidade.

O combate a práticas de corrupção foi delegado ao setor privado, que deverá adotar medidas preventivas

De toda forma, não se deve generalizar prestadores de serviços como facilitadores de esquema de corrupção. Ao contrário, não é incomum encontrar empresas que contratam terceiros como forma de dividir o risco de práticas pouco éticas e, estes terceiros contratados, devem estar atentos para se proteger.

Nessa ótica, um programa de compliance estabelecido pelos prestadores de serviços tais como consultores, auditores entre outros é fundamental para assegurarem que estão sendo contratados por empresas comprometidas com o padrão ético, evitando serem usados como mero instrumento de práticas ilegais.

Assim, da mesma forma que tais terceiros serão objeto de uma due diligence, estes também deverão proceder à análise da parte contratante, principalmente no que tange a existência de programas de compliance, relação desta parte contratante com outros países (com o objetivo de identificar incidência de outras jurisdições), seu histórico em termos processuais além de eventuais certificações de qualidade.

Toda esta análise se traduzirá em cláusulas contratuais, delimitando escopo dos serviços, os principais marcos de seu desenvolvimento (até mesmo para avaliar a viabilidade de continuar ou não com os serviços), responsabilidades das partes, eventuais negócios jurídicos processuais de exibição de documentos e, ainda, responsabilidade pela tomada de toda e qualquer decisão no decorrer dos trabalhos.

Em última análise, todo este conjunto de iniciativas trará a reboque o desafio da gestão documental como principal ferramenta de compliance das empresas prestadoras de serviços. Todo e qualquer serviço terá sua própria história para contar por meio de documentos, não por mera burocracia, mas com o intuito máximo de preservar a transparência da relação comercial, trazendo respostas rápidas na eventualidade de qualquer fiscalização e/ou investigação.

Esta abordagem, que em um primeiro momento parece ser somente jurídica, é também muito importante do ponto de vista comercial, na medida em que se demonstra aos eventuais contratantes o comprometimento com padrões éticos em uma via de mão dupla para mitigação de riscos de compliance.

Afinal, no cenário brasileiro, seguindo certa tendência global, o combate a práticas de corrupção foi delegado ao setor privado, que deverá por si adotar medidas preventivas. Atento a este cenário e, atento como recentes esquemas foram praticados mundialmente, aos prestadores de serviços cabe também se adaptar, respeitando-se as suas particularidades.

Paulo Henrique Gomiero é advogado, membro do Departamento Jurídico e Compliance da Mitsubishi Corporation do Brasil

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações