Valor econômico, v. 17, n. 4350, 28/09/2017. Política, p. A9.

 

 

Senado rebela-se contra afastamento de Aécio

Fabio Murakawa

28/09/2017

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador - e impor a ele o recolhimento domiciliar noturno - provocou uma rebelião generalizada entre seus pares. Líderes de diversas correntes, inclusive do PT, partiram ontem para o ataque contra a medida. À noite, quando a Casa foi notificada pelo Supremo da decisão, o clima era de pressão sobre o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para que o assunto fosse levado ao plenário de forma que a decisão pudesse ser derrubada pelos senadores.

Eunício manteve silêncio durante a maior parte do dia. Encerrou a sessão cerca de cinco minutos antes de a notificação chegar à Casa e foi embora sem dar declarações. Mas, na única que deu a respeito ao longo do dia, sinalizou que o Senado deliberará sobre a decisão, em vez de simplesmente cumpri-la. "Se a Constituição foi ferida pela decisão, e cabe ao Senado tomar uma decisão baseada na Constituição, obviamente que o Senado vai tomar as providências."

Questionado sobre o que diz a Constituição a respeito de casos como o de Aécio, ele respondeu: "A Constituição não tem afastamento de mandato".

Já em casa, Eunício disparou telefonemas para marcar uma reunião de líderes para hoje pela manhã. No encontro, eles verão se é viável ou não levar a matéria a plenário ainda nesta quinta. Para que derrubar a decisão, serão necessários 41 votos, ou a maioria absoluta dos senadores. Havia dúvidas sobre se seria possível reunir quórum suficiente para tal.

Primeiro vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), deu um roteiro da argumentação jurídica a que os senadores deverão recorrer para contestar a decisão do Supremo. Segundo ele, a Lei de Execuções Penais (LEP) classifica qualquer medida restritiva como prisão - caso do recolhimento domiciliar a que Aécio foi submetido. Os parlamentares, porém, não estão submetidos ao Código de Processo Penal. Pela Constituição, um parlamentar só pode ser preso em flagrante.

"O STF fez um ativismo judicial muito forte, e é preciso que a Constituição Federal seja respeitada para que nós possamos evitar que outros casos semelhantes possam acontecer a partir de precedentes que sejam abertos", disse ele.

"Ativismo judicial" também foi o termo usado pelo líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE), ao comparar a atuação do STF em relação ao tucano com o modo com que o ex-presidente Lula vem sendo tratado pelo juiz Sergio Moro.

Costa sinalizou ainda que o PT votará por desfazer a decisão, caso Eunício a submeta ao plenário. E lembrou do caso do senador Delcídio do Amaral (MS), que foi preso em 2015 acusado de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato. À época, Delcídio era filiado ao PT e líder do governo no Senado. O tema foi levado ao plenário, que decidiu manter a prisão, apesar dos votos contrários dos petistas.

"Nós, no caso Delcídio, apesar de todas as críticas que recebemos, votamos pelo respeito à Constituição e as prerrogativas do mandato parlamentar", disse Costa. "E, sem dúvida, neste caso haveremos de votar também. Vamos ver se houve ou não um desrespeito a essas prerrogativas."

Outros senadores também se manifestaram contra a decisão. Caso de Renan Calheiros (PMDB-AL), José Medeiros (Pode-MT) e Jorge Viana (PT). "Não estou preocupado em salvar o Aécio, estou preocupado é em salvar a Constituição", disse Viana.

Vozes dissonantes, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e João Capiberibe (PSB-AP) defenderam que o Senado acate a decisão do STF.

Aécio, por sua vez, não compareceu ao Senado. À noite, sua assessoria divulgou nota qualificando a decisão do Supremo como "uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto".

Segundo a nota, as gravações feitas pelo empresário Joesley Batista, em conversa com Aécio, "consideradas como prova pelos três ministros" do STF, "foram feitas de forma planejada a forjar uma situação criminosa". Acusado de receber R$ 2 milhões da JBS em propina, Aécio voltou a alegar inocência. E disse confiar que seu mandato será restabelecido.