Valor econômico, v. 17, n. 4350, 28/09/2017. Política, p. A9.

 

 

Eunício recebe notificação

Luísa Martins

28/09/2017

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) notificou o Senado, ontem à noite, da decisão de afastar Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo e submetê-lo a recolhimento domiciliar noturno. O ofício, entregue ao presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), é assinado pelo presidente da Primeira Turma, Marco Aurélio Mello - que também é o relator do processo.

Um dia depois do julgamento, divergências internas entre ministros da Corte provocou debates fora dos autos do processo. Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux afirmaram que as medidas cautelares impostas não precisam do aval do Senado, enquanto Marco Aurélio e Gilmar Mendes defenderam o contrário.

A discussão se deu em torno de uma questão em particular: se o recolhimento noturno pode ou não ser interpretado como um tipo de prisão, o que é vedado pela Constituição Federal quando se trata de um parlamentar. De acordo com a lei, um membro do Congresso só pode ser detido em caso de flagrante de crime inafiançável. Neste caso, caberia ao Senado convocar sessão para referendar ou não a prisão.

Barroso e Fux, defensores do afastamento de Aécio na Primeira Turma, voltaram a justificar seus votos. Para eles, o recolhimento noturno é uma medida alternativa à prisão, portanto não precisa do aval dos senadores.

Para Barroso, autor do voto que prevaleceu no julgamento, "não há dúvida jurídica" sobre a decisão. "O direito é claríssimo", disse, ao ser questionado se cabe ao Senado tomar providências.

Ele citou que o recolhimento domiciliar noturno é previsto expressamente no Código de Processo Penal (CPP) como uma medida cautelar diversa da prisão (enfatizou a palavra "diversa"). O dispositivo, segundo ele, foi acrescentado ao CPP em 2011 pelo próprio Congresso: "Portanto, foi o parlamento quem definiu que essa não é uma hipótese de prisão", sustentou.

Responsável por desempatar o julgamento, Fux considerou que o código é "evidente" sobre a diferença entre o recolhimento noturno e a detenção em si. O ministro acrescentou que Aécio já esteve afastado por decisão do antigo relator, ministro Edson Fachin, "mas não houve esse rumor todo". O tucano ficou fora do cargo entre 18 de maio e 30 de junho, quando Marco Aurélio assumiu a relatoria do caso e revogou a medida.

À época, o Senado cumpriu a decisão sem questionar a sua validade. "É o que se espera que ocorra, porque o cumprimento de decisões e a harmonia e a independência entre os poderes é exatamente um pressuposto do Estado de Direito", afirmou Fux.

Por outro lado, Gilmar acusou a Primeira Turma de fazer "populismo" ao decidir afastar Aécio. "Notoriamente, o colegiado decidiu pela prisão do senador, o que não tem respaldo na Constituição. Nós devemos evitar a todo custo o populismo constitucional. É preocupante a reescrever a Constituição", disse ele, que não participou do julgamento, pois pertence a outro colegiado.

O ministro defendeu, ainda, que o tema seja discutido por todos os ministros da Corte: "Quando a turma começa a poetizar ou ter comportamento suspeito, é bom levar a matéria ao plenário."

De acordo com Marco Aurélio, se o Senado pode reverter uma medida extrema como a prisão, poderá também rever as mais brandas, como a suspensão do exercício do mandato e o recolhimento noturno. "Sustentei isso em meu voto, sem incitar o Senado à rebeldia", disse.