Valor econômico, v. 17, n. 4350, 28/09/2017. Especial, p. A14.

 

 

 

Réu põe defesa de Lula sob suspeita de fraude

André Guilherme Vieira

28/09/2017

 

 

O engenheiro Glaucos da Costamarques, dono do imóvel vizinho ao da residência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, informará hoje ao juiz federal Sergio Moro que assinou de uma só vez em 2015, retroativamente a 2011 e a pedido do advogado de Lula, Roberto Teixeira, os 26 recibos de pagamentos de aluguéis apresentados pela defesa do ex-presidente no dia 25 de setembro, nos autos de uma das ações penais a que o petista responde na 13 Vara Criminal Federal de Curitiba, conforme apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

Nesse processo Lula é acusado pela Lava-Jato de ser beneficiário de R$ 12,4 milhões em propinas da Odebrecht, sob a forma de um terreno para o Instituto Lula e no apartamento vizinho àquele em que o petista reside, em São Bernardo do Campo (SP).

Costamarques teria recebido R$ 504 mil da Odebrecht pelo apartamento, em uma operação de lavagem de dinheiro para ocultar a participação da empreiteira na transação e colocar o engenheiro como dono de direito do imóvel, na condição de testa de ferro de Lula, segundo a acusação feita pelo Ministério Público Federal (MPF). Até o final do mandato presidencial, em 2010, o aluguel do apartamento contíguo ao de Lula era custeado pela presidência da República.

De acordo com a versão de Costamarques, em novembro de 2015 Roberto Teixeira foi a seu encontro e lhe entregou todos os recibos, pedindo para que ele os assinasse. O pedido teria sido feito por Teixeira em um hospital, onde Costamarques se internou para realizar exames e acabou descobrindo um câncer.

Costamarques relatou o encontro com Roberto Teixeira no hospital em interrogatório prestado ao juiz Sergio Moro em 6 de setembro. No entanto, naquela oportunidade o engenheiro omitiu ao magistrado o fato de que o advogado teria solicitado a assinatura dos 26 recibos de aluguel.

Costamarques disse também, no interrogatório, que só passou a receber o aluguel em 2015, após o suposto encontro com Teixeira no hospital. Mas ocorre que o primeiro dos recibos juntados pela defesa aos autos - a pretexto de prova de pagamento dos aluguéis - tem a data de 1º de fevereiro de 2011.

"Olha nós vamos pagar, de hoje em diante nós vamos pagar o aluguel para você", teria prometido Teixeira a Costamarques, segundo o relato do engenheiro à Justiça.

Costamarques relatou que, a partir de então, os pagamentos começaram a ser realizados por meio de depósitos não identificados em sua conta corrente.

Os recibos dos aluguéis apresentam erros em datas, como já apontado pelo Valor na edição de terça-feira.

Dois dos documentos tem datas declaradas como 'aluguel vencido' em 31 de junho de 2014 e 31 de novembro de 2015.

Um dos recibos foi assinado por Glaucos Costamarques em 6 de janeiro de 2014. Naquele dia, o engenheiro estava fora do Brasil, em viagem aos Estados Unidos. Ele retornou ao país somente três dias depois, conforme relatou a interlocutores.

Se confirmada como fato, a versão narrada por Glaucos Costamarques poderá complicar a situação de Roberto Teixeira, também réu na mesma ação penal a que Lula responde por corrupção.

Na hipótese de se tratar de documentos falsos ou adulterados, a juntada ao processo penal pode caracterizar obstrução de Justiça e fraude processual, disseram fontes a par do andamento do caso.

Procurado por meio da assessoria de imprensa, o advogado de Lula e de Roberto Teixeira, Cristiano Zanin, disse que "a defesa do ex-presidente Lula não comenta especulações".

O advogado de Glaucos da Costamarques, João Mestieri, não foi localizado pela reportagem até a conclusão desta edição.

Valor conseguiu contato telefônico com Costamarques. Indagado sobre os fatos, o engenheiro disse que "nada tem a declarar" e desligou.