Valor econômico, v. 17, n. 4350, 28/09/2017. Especial, p. A14.

 

 

"'Ponte para o futuro' será dinamitada" diz Gleisi

Raymundo Costa

28/09/2017

 

 

Sempre que o Partido dos Trabalhadores sofre um revés, há uma parcela da sociedade, às vezes no próprio PT, pronta para dizer que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será candidato ao Palácio do Planalto. "É recorrente", diz a senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente da sigla. Segundo Gleisi, a candidatura de Lula já não pertence ao PT, mas à parcela da população que permanece fiel a ele, algo em torno de 30% do eleitorado, segundo todas as pesquisas. Nem o PT nem a esquerda têm um candidato tão competitivo quanto Lula. Por isso não existe o Plano B, assegura a senadora.

Na conversa com o Valor, a senadora foi implacável com o ex-ministro Antonio Palocci - "renegou o próprio passado" - e condenou a decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do exercício do mandato. Falou mais a favor de Lula do que do governo Dilma Rousseff, do qual fez parte, e deu sinais do que pode ser um novo governo do PT na economia. De saída, vai acabar com o teto para os gastos e "dinamitar" o programa em curso do PMDB, "Ponte para o Futuro".

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O PT tem ou não um Plano B para 2018?

Gleisi Hoffmann: Tem o Plano L de Lula, como diz o Jaques Wagner. O nosso candidato é o Lula. O Diretório Nacional do PT posicionou-se de forma muito firme: a candidatura é irrevogável.

Valor: Por que não ter Plano B, diante das dificuldades legais que a candidatura Lula deve enfrentar?

Gleisi: Porque Lula deixou de ser um candidato só do PT, é um candidato de parcela do povo brasileiro. É a grande realidade. Qualquer pesquisa que se faça Lula não tem menos de 30%. O povo está pondo o Lula como o seu candidato. O PT não tem o direito de fazer essa discussão com essa parcela da população. Temos que fortalecê-lo, defendê-lo e garantir a sua candidatura.

Valor: Mas como ignorar que pode haver uma sentença judicial que inviabilize essa candidatura?

Gleisi: Se for com base nessa sentença do [juiz Sergio] Moro vai ser uma sentença política, uma violência à democracia impedir que o maior líder popular da nossa história concorra a uma eleição porque está condenado, em segunda instância, por um fato que não tem provas. Eu espero sinceramente que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [Porto Alegre] considere o devido processo legal, assim como considerou agora no segundo julgamento do [ex-tesoureiro do PT João] Vaccari. Por duas vezes o Vaccari foi absolvido. O caso do Lula é muito semelhante.

Valor: De qualquer forma esta é uma situação que está posta.

Gleisi: Eu acredito que se tiver uma condenação, ainda assim o Lula pode ser candidato.

Valor: Como?

Gleisi: Porque nos temos precedentes de pessoas que foram condenadas em segunda instância, candidatas a prefeito e outros, que a Justiça garantiu a participação no pleito eleitoral. Principalmente pelo tempo que deve se dar a sentença, a proximidade com as eleições. Nós vamos lutar em todas as instâncias. A gente não trabalha com Plano B.

Valor: A senhora não vê já um certo fatalismo na militância?

Gleisi: Na militância não vejo não. A nossa militância está muito animada, defendendo o Lula e sabe que o Lula é um candidato competitivo. Do PT e da centro-esquerda. Não tem outro candidato competitivo. Dentro do espectro político, os adversários tentam semear dúvidas o tempo inteiro, que o Lula pode não ser, que tem que ter Plano B. Qualquer nome do PT não tem a competitividade e a força política do Lula. Tudo o que os adversários querem é que a esquerda e a centro-esquerda saiam com candidatos mais fracos. Até porque eles não conseguiram construir um candidato forte.

Valor: Fora a militância, cresceu o número dos que acreditam que Lula não poderá ser candidato?

Gleisi: Na realidade isso cresceu muito agora e acho que é uma tentativa de semear dúvidas e uma divisão do campo de esquerda, um desânimo: ah, mas o Lula não vai ser candidato, o Lula não pode ser candidato.

Valor: A palavra final sobre a candidatura não será de Moro?

Gleisi: É. O Judiciário pode corrigir as arbitrariedades da Vara de Curitiba. Tem uma base jurídica sólida de contestação da sentença. Já estamos vendo o próprio Judiciário contestar as sentenças do Moro. Tanto que no [caso do] Vaccari é a segunda vez que o TRF reforma a sentença. Não pode condenar sem provas. Já começa a ter no próprio Judiciário contestação das sentenças que ele dá, por falta de base jurídica, dos métodos, pelo excesso de perseguição, isso fica muito evidente.

"Palocci rompeu com o próprio passado, renegou o governo do qual participou e as boas políticas que ajudou a implantar"

Valor: O PT vai acatar a decisão em última instância mesmo sendo contra Lula?

Gleisi: Nós vamos lutar em todas as instâncias porque acreditamos na inocência do presidente, ele não cometeu crimes e nós temos condições de provar isso. Aliás, ele tem provas da sua inocência, e não há provas de culpabilidade. Nas instâncias superiores, Lula será absolvido.

Valor: Há uma expectativa de crescimento de 3% em 2018, com juros e a inflação de alimentos em baixa. As pessoas vão olhar para trás e responsabilizar o PT pela recessão dos últimos três anos?

Gleisi: Não avaliamos que isso vá acontecer [crescimento de 3% em 2018]. É muito pouco provável. Na realidade hoje há uma restrição dos recursos em circulação na sociedade. O que faz uma economia crescer é investimento, principalmente. E a nossa taxa de investimento está despencando. Nunca tivemos tão baixo investimento como agora, cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB), podendo chegar a 10%. Inflação baixa e consumo de alimentos não alavanca crescimento, se não tiver investimento. Quando começou a ter crescimento mais consistente nos governos do Lula? Quando a gente aumentou a taxa de investimento, que chegou a 22%, 23%. Era o PAC, o Minha Casa, Minha Vida, subsídios na veia pro cara investir, política de crédito firme do BNDES. Não temos mais nada disso. O BNDES devolveu R$ 100 bilhões para o Tesouro e está querendo devolver mais R$ 100 bilhões agora. A taxa de investimento do Orçamento de 2018 é a mais baixa desde 2009, R$ 50 e poucos bilhões. As estatais não estão investindo, a Petrobras está tendo um processo de desinvestimento, e ela sempre foi o carro-motor do investimento no Brasil. Estão fazendo a concessão da Eletrobras que é a mudança de dono, toda a parte de concessão dom governo não prevê investimento. Aliás, estão refazendo os contratos de concessões antigas para alargar prazo de investimento. Em vez de concentrar em cinco, seis anos estão colocando em 15 anos. Eu gostaria que me explicassem como é que vai crescer 3% com base no consumo de comida? E tem o desemprego. É muito fácil dizer "o salário mínimo comprava tanto antes e hoje está comprando tanto'. Mas quem está ganhando o salário mínimo? Estamos com 14 milhões de desempregados. Que não vão ganhar salário mínimo em lugar nenhum. A construção civil está parada, não vai dar emprego. Quem emprega em massa está parado. Vai continuar consumindo quem já está empregado. Então pode aumentar um pouco o consumo, como aconteceu com o consumo das famílias pela liberação do FGTS. Aumentou, foi sazonal, mas vai cair. Agora pode dar uma aumentadinha porque a inflação baixou o preço do alimento, mas ela é residual, não é efetiva para sustentar crescimento de PIB. Só tem uma coisa que sustenta, é investimento. E nos governos do presidente Lula o responsável pelo crescimento do PIB foi o investimento não foi o consumo, ao contrário do que todo mundo diz. É impressionante isso, quando se vê nos gráficos: foi a taxa de investimento que subiu e garantiu o crescimento do PIB. O consumo é importante, porque dá bem-estar, mas não foi ele.

Valor: Não foi o inchaço do Estado que nos levou a três anos de recessão econômica?

Gleisi: Nós fizemos por dez anos consecutivos superávit primário. Foram os governos do presidente Lula que fizeram superávit primário e não o do Fernando Henrique [Cardoso, presidente entre 1995 e 2003]. O Fernando Henrique ganhou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o conceito de superávit primário, mas quem fez foi o PT. Em 2008 nós enfrentamos a crise, Lula tinha os instrumentos e o Congresso razoavelmente com ele. Nos fizemos medida contracíclica. Tivemos uma queda, 2008, e logo uma subida. Por quê? Porque fizemos o contracíclico. Quando o privado parou de investir, o público foi lá e investiu. Puxou a economia, aumentou a arrecadação e cresceu. Quando nós tivemos outro pico da crise externa, em vez de fazer contracíclico a gente acabou adotando o cíclico. Aí teve dois problemas. Um que foi um erro do governo, ao meu ver, em 2015 ter colocado o Joaquim Levy na Fazenda...

Valor: A senhora sempre fala no presidente Lula mas....

Gleisi: A Dilma também teve projetos bons, o primeiro ano dela foi ótimo. Eu acho que em 2015 tivemos problemas com as desonerações excessivas, o que ela mesmo reconhece, e por ter colocado o [Joaquim] Levy. Ela deveria ter feito em 2015 o que o Lula fez em 2008. Quando ela tirou o Levy e botou o Nelson Barbosa já tinha se criado o clima do impeachment. Já tinham vendido para a sociedade que era um governo perdulário e desestruturado.

Valor: Não teve pedalada?

Gleisi: Não houve desestruturação fiscal. Se houve pagamento de um exercício no outro, isso sempre aconteceu, não foi só com a Dilma, desculpa. O que eu estou dizendo é que não houve desequilíbrio fiscal. Houve por uma crise externa que não foi bem administrada. Esse governo entrou e piorou o choque do Levy: mais pró-cíclico. A receita e o investimento caíram.

Valor: O PT voltando ao governo acaba com o teto de gastos?

Gleisi: Sim. Porque então não precisa eleger um presidente, contrata um gestor. Você não pode mexer em nada, tem que aplicar o que está ali. Isso é uma excrescência, é um modelo do sistema financeiro para não deixar governar para os mais pobres.

Valor: E a Previdência?

Gleisi: Não concordamos com a proposta do governo, mas deve ter uma reforma da Previdência. Por exemplo, nós não podemos continuar com os altos salários do serviço público como estão, o pessoal levando para a aposentadoria o teto ou mais que o teto. É uma excrescência.

Valor: Idade mínima?

Gleisi: Sou contra. Acho que o fator previdenciário dava conta disso e fazia diferenciação entre homem e mulher, que é importante porque a mulher continua com a dupla, tripla jornada de trabalho, tem mais desgaste físico por ter filhos. Assim como a aposentadoria de trabalhador rural tem que ser diferente de trabalhador urbano.

Valor: Como responde à crítica de que o PT trata diferentemente o ex-ministro Palocci em relação a outros acusados como José Dirceu e João Vaccari?

Gleisi: O Palocci mentiu contra o partido. Nós não podemos ser condescendentes com mentira. Ele foi lá e mentiu para quem está perseguindo o Lula e o PT. Dirceu e Vaccari não têm trânsito em julgado. Até trânsito em final nós consideramos as pessoas inocentes. Não somos como setores do Judiciário que culpam de cara.

Valor: Palocci diz que enquanto estava em silêncio o tratamento do PT com ele era um. Mudou depois.

Gleisi: Quem rompeu com o próprio passado foi ele, renegou o governo do qual participou e as boas políticas que ajudou a implantar. Em qual Palocci devemos acreditar? No que agora diz que mentiu antes ou no que mudou sua versão da própria história para negociar redução de pena e benefícios econômicos em troca de mentiras contra Lula e o PT?

Valor: Como a senhora vê o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) por decisão do Supremo Tribunal Federal?

Gleisi: O senador Aécio é um dos principais responsáveis pela crise do país, mas você não faz Justiça com uma decisão como esta do STF, que não tem base na Constituição. O senador Aécio tem quer ser julgado inclusive pelo Conselho de Ética. Mas o Senado não pode ser conivente com esta intromissão do STF.

Valor: O que o PT vai fazer com a "Ponte para o futuro"?

Gleisi: Essa ponte será dinamitada. É uma ponte para o passado. Nós queremos ir pra frente.