O Estado de São Paulo, n. 45300, 27/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

Ministros trocam acusações em sessão plenária do STF

Judiciário. Luís Barroso afirma que Gilmar Mendes é leniente com 'a criminalidade de colarinho branco' , e é acusado pelo colega de fazer 'populismo com prisões' no País

Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura

 

Breno Pires

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) assistiu ontem a um intenso bate-boca entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Barroso acusou o colega de ser leniente com “a criminalidade de colarinho-branco”. Gilmar, por sua vez, disse que o ministro faz “populismo com prisões” e ironizou a defesa de “bandido internacional” em uma alusão ao italiano Cesare Battisti.

A troca de acusações evidenciou o antagonismo de ideias entre os ministros, que frequentemente têm se colocado em lados opostos em julgamentos relacionados a escândalos de corrupção, como a Operação Lava Jato. Conforme mostrou o Estado em junho deste ano, desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, Barroso tem despontado como um dos principais antagonistas de Gilmar, ministro com trânsito na classe política.

A discussão ocorreu durante o julgamento sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM-CE) e começou quando Gilmar fez uma referência aos casos de corrupção no Rio. Fluminense, Barroso mostrou desconforto com a declaração e citou Mato Grosso, Estado de seu colega, “onde está todo mundo preso”.

“Ah, não, no Rio não estão (presos)”, afirmou Gilmar. “Nós prendemos, mas tem gente que solta”, disse Barroso. Em abril, Gilmar concedeu habeas corpus ao empresário Eike Batista. Quatro meses depois, ele mandou libertar o empresário Jacob Barata Filho e o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetrans- por) Lélis Teixeira. Gilmar, mais uma vez, rebateu: “( Tem gente que) Solta cumprindo a Constituição”.

O ministro afirmou, então, que Barroso libertou o petista José Dirceu – condenado no mensalão e na Lava Jato – ao citar o julgamento no Supremo de embargos infringentes (um tipo de recurso) ainda referentes ao escândalo de corrupção no governo Luiz Inácio Lula da Silva. “Vossa Excelência, quando chegou aqui, soltou José Dirceu”, retrucou Gilmar.

Foi aí que o clima ficou mais tenso e Barroso elevou o tom das críticas ao colega: “É mentira. Vossa Excelência não trabalha com a verdade. Gostaria de dizer que José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República (Dilma Rousseff)”.

“Vossa Excelência está ocupando tempo do plenário para destilar esse ódio constante, que agora dirige contra o Rio. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro, não julga, não fala coisas racionais e articuladas”, afirmou Barroso.

 

Intervenção. Com o crescente clima de desconforto no plenário, a presidente da Supremo, ministra Cármen Lúcia, interveio: “Ministros, eu pediria que a gente voltasse ao julgamento do caso”. O apelo foi em vão.

Gilmar ironizou o colega: “E se dizia que o mensalão era um caso fora da curva”. Barroso retrucou os comentários novamente. “Quem decidiu (sobre Dirceu) foi o Supremo. Aliás, não fui eu, porque o Supremo tem 11 ministros e a maioria entendeu que não havia o crime”, afirmou. Em outubro do ano passado, Barroso concedeu indulto a Dirceu para extinguir a pena de 7 anos e 11 meses de reclusão por corrupção ativa no processo do mensalão. Dirceu, no entanto, continuou preso, em razão das investigações da Lava Jato, em Curitiba.

No julgamento citado por Gilmar, Barroso votou por descartar uma das condenações de Dirceu, por organização criminosa, o que reduziu a pena do ex-ministro. Barroso destacou que Dirceu está solto por decisão da Segunda Turma – em maio deste ano, por três votos a dois, o colegiado revogou a preventiva do petista, que estava preso desde agosto de 2015 na Lava Jato. Coube a Gilmar desempatar o julgamento a favor de Dirceu. “Portanto, não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade de colarinhobranco”, afirmou Barroso.

 

Bandido internacional. Gilmar fez referência ao fato de Barroso, quando advogado, ter defendido Battisti. “Não sou advogado de bandidos internacionais”, afirmou Gilmar. Para Barroso, o ministro “vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”, o que promove um “estado de compadrio” em vez de um estado de direito. Gilmar acusou então Barroso de fazer “populismo com prisões”.

Mais uma vez, Cármen Lúcia interrompeu. “Ninguém faz (populismo), ministro. O Supremo Tribunal faz julgamentos”, afirmou a presidente.

A discussão evidencia a divisão na Corte. Enquanto Gilmar questiona o modo de atuação do Ministério Público Federal, apontando o que chama de “abusos”, Barroso tem defendido investigadores e meios de obtenção de provas, como acordos de delação premiada. Em casos polêmicos, Gilmar e Barroso têm proferido votos divergentes.

O plenário julgou constitucional a emenda da Assembleia Legislativa do Ceará que extinguiu o TCM-CE.

 

“A prova de que falta criatividade ao administrador é o caso do Rio de Janeiro. Gente, citar o Rio de Janeiro como exemplo...”

 

“Solta, cumprindo a Constituição. Quem gosta de prender... Vossa excelência, quando chegou aqui, soltou José Dirceu.”

 

“Não, não, não, Vossa Excelência julgou os embargos infringentes...”

 

“Eu vou voltar, presidente. Só queria dizer que o julgamento dos embargos infringentes do José Dirceu foram decididos aqui...”

 

“E se dizia que o mensalão era um caso fora da curva.”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO STF

 

“Ele deve achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso.”

 

“Aliás, no Rio nós prendemos. Tem gente que solta...”

 

“Porque recebeu indulto da Presidência da República.”

 

“É mentira. Aliás, Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade. Então gostaria de dizer que José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República.”

 

“Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque: ‘A raiva é filha do medo e mãe da covardia’. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro...”

Luís Roberto Barroso

MINISTRO

 

PARA LEMBRAR

Embates em outras sessões

A áspera discussão entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) de ontem marcou mais um confronto entre os ministros, que já bateram boca em ocasiões recentes. Em junho deste ano, os dois trocaram acusações no julgamento que tratou da validade da delação do Grupo J&F. Eles discordaram e se irritaram durante a sessão. Em agosto do ano passado, a Lei da Ficha Limpa também colocou em lados opostos os dois ministros. Gilmar Mendes, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que a legislação parecia ter sido feita por “bêbados” de tão mal feita. Um dia depois, Barroso saiu em defesa do texto. Sem mencionar diretamente Gilmar Mendes, afirmou que a lei é “boa” e “sóbria”.