Título: Crianças na mira
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 28/01/2012, Mundo, p. 22

Relatório do Unicef denuncia a morte de 384 menores no levante contra Bashar Al-Assad - 77 no intervalo de um mês. Opositores apelam por intervenção internacional em defesa da população civil

Em pouco mais de um mês, 77 crianças foram assassinadas na Síria — 384 desde o início do levante contra o presidente Bashar Al-Assad. O alerta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) foi lançado poucas horas antes de o Conselho de Segurança da ONU reunir-se em busca de consenso para aprovar uma resolução convocando o regime de Damasco a interromper o derramamento de sangue. Somente ontem, 56 pessoas morreram em conflitos entre os rebeldes e as forças de segurança, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos. A revolta fez eco também no Cairo, capital do Egito, onde dezenas de manifestantes depredaram a embaixada síria.

O relatório do Unicef é baseado em informações de entidades de defesa dos direitos humanos em contato permanente com os sírios. "Até 7 de janeiro, 384 crianças morreram, na maioria meninos. Cerca de 380 foram detidas, algumas com menos de 14 anos", detalhou Rima Salah, vice-diretora executiva da organização. Mousab Azzawi, coordenador do Observatório Sírio de Direitos Humanos, disse ao Correio que o número de vítimas já ultrapassou o relatado pelo Unicef. Pelo menos 400 meninos foram mortos desde o início da revolta, em março de 2011. "Isso deveria encorajar a comunidade internacional a proteger os civis sírios", defende Azzawi. "Países em desenvolvimento, o Brasil entre eles, deveriam dar um passo moral para tentar impedir a violência contra essas crianças."

O dissidente critica a demora do Conselho de Segurança em aprovar qualquer resolução contra o regime de Assad. A expectativa para ontem era de que o Marrocos, membro temporário do grupo, apresentasse uma proposta para a transição de poder. Antes mesmo de o teor do texto ser conhecido, no entanto, a Rússia voltou a dizer que não aprovaria nenhum mecanismo capaz de derrubar o ditador. "Não podemos apoiar qualquer resolução da ONU pedindo apoio para a renúncia de Assad", assinalou o vice-chanceler Gennady Gatilov. Ele também adiantou que qualquer votação sobre o assunto estaria "destinada ao fracasso".

Para Azzawi, a omissão da comunidade internacional é motivo de vergonha. "Eles (o Conselho de Segurança) aprovaram a intervenção na Líbia porque lá há muito petróleo. Mas a Síria é uma nação pobre, sem riquezas naturais, e ninguém faz nada", desabafa. Murilo Meihy, professor de história contemporânea na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), pondera que há muitos outros fatores envolvidos. "Qualquer operação militar exige um alto investimento", aponta. "A Líbia mostrou aos franceses que o custo desse tipo de intervenção não vale a pena." Nesta semana, os Estados Unidos anunciaram cortes no orçamento de 2013 para a Defesa, algo que também deve prejudicar esse tipo de operação.

Guerra Enquanto isso, os rebeldes se organizam cada vez mais para a luta armada. Segundo a agência de notícias Reuters, o Conselho Nacional Sírio, que agrupa as principais correntes de oposição, vai ajudar a coordenar o Exército Sírio Livre, a maior força de combate às tropas do regime. Essa organização reúne cerca de 4 mil soldados desertores, contra aproximadamente 300 mil homens leais ao ditador. O ativista Mousab Azzawi acredita que eles não entregarão armas aos civis, mas analistas afirmam que a guerra já começou. "Tipicamente, definimos uma guerra civil quando uma série de conflitos entre dois grupos políticos deixa um saldo de mil mortes por ano. Em 10 meses, já foram mais de 5 mil mortes na Síria", observa o professor Zeev Maoz, da Universidade da Califórnia, em Davis.

Na tentativa de impedir um cenário ainda pior, os dissidentes clamam para que as Nações Unidas aprovem, pelo menos, a instalação de corredores humanitários e de zonas de abrigo para os refugiados. "Nós não esperamos qualquer ajuda da Otan (aliança militar liderada pelos EUA). Tudo que pedimos é apoio para os rebeldes em solo", contou à reportagem um ativista de 28 anos, que não quis se identificar. "Isso vai se transformar em um conflito sectário, dada a natureza da Síria. O país está extremamente polarizado, e isso é péssimo", lamenta.