O Estado de São Paulo, n. 45300, 27/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

Nuvens de incertezas

 

Eliane Cantanhêde

As duas coisas andam juntas, vão definir os cenários de 2018 e foram o foco da semana: os novos passos da Lava Jato e o futuro do governo Michel Temer, ambos envoltos em nuvens de incertezas. Até aqui, a maior operação de combate à corrupção no planeta é um sucesso e Temer tem vencido de forma surpreendente suas batalhas mais inglórias. E agora?

O Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, realizado na terça-feira, acendeu uma luz amarela e deixou um misto de tristeza, de um lado, e de instinto de luta, de outro. E a votação da segunda denúncia contra Temer, anteontem, gerou a crença de que ele termina o mandato e uma torcida para que a recuperação da economia avance.

No fórum, promoveu-se o confronto do passado bem-sucedido da Mãos Limpas e da Lava Jato com o presente desalentador da operação na Itália e o futuro incerto na do Brasil. Se a italiana inspirou a brasileira, agora serve de alerta.

Segundo os magistrados Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, que participaram do momento áureo da Mãos Limpas, tudo começou muito bem, mas deu em nada. Melancolicamente, eles relataram que os corruptos se uniram, perderam de vez a vergonha, criaram uma rede de salvaguardas legais e se tornaram ainda mais poderosos.

Cada um a seu estilo, o contido juiz Sérgio Moro e o bem falante procurador Deltan Dallagnol identificaram objetivamente os perigos imediatos que poderiam empurrar a Lava Jato para o mesmo destino da Mãos Limpas: um recuo na possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, manter intocável o foro privilegiado de políticos com mandato, atacar os instrumentos das delações premiadas e das prisões cautelares.

Um pacote assim garantiria a velha e resiliente impunidade que transforma o Brasil num país cruel para a base da pirâmide e indecente para o topo. Mas onde está concentrado o debate dessas questões? Não é no Legislativo e no Executivo, onde se acotovelam os alvos da Lava Jato, mas no Supremo, a quem cabe julgá-los. Transformar a Lava Jato num sucesso histórico ou num fracasso à altura da Mãos Limpas está na alma, no preparo, na ideologia e na coragem de 11 ministros togados.

Quanto a Temer, seus desafios daqui em diante ficaram evidentes nos votos a favor e contra a segunda denúncia de Rodrigo Janot. Para a oposição, o presidente integra uma organização que não apenas é corrupta como quer destruir florestas, direitos e pobres. Para os que votaram a favor de Temer, o mais importante para o País é sair do buraco em que foi jogado por Dilma Rousseff e o PT, manter a rota de recuperação, assegurar o crescimento e multiplicar empregos.

Os adversários têm a seu favor a impopularidade vexaminosa de Temer, o discurso fácil (e irresponsável) contra o termo ajuste fiscal e a ojeriza coletiva a mudanças na Previdência. E a fila de ex-ministros presos e enrolados é grande. Ontem mesmo, a Polícia Federal prendia três ex-assessores de Henrique Alves no Turismo.

Já os aliados contam com a recuperação econômica, que vai bem, obrigada, mas esbarra num obstáculo: o rombo das contas públicas, que continua crescendo. A fórmula Meirelles está em xeque. O teto desabou e a reforma da Previdência é ameaçada pela incompreensão popular, a má vontade do Congresso e por algo sutil: a prioridade de Temer não é de longo prazo, é aqui e agora.

São essas duas coisas, a força da Lava Jato em se impor e a capacidade de Temer de comandar o País e a economia, que vão definir 2018. A eleição está bem aí e parece assustadora.

 

Maia. Antes impulsivo, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não colou seu destino a Temer, não se comprometeu mais do que devia em derrubar a segunda denúncia e se coloca como salvador da reforma da Previdência.

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‘Venceu a verdade’, afirma presidente

Temer divulga vídeo em redes sociais um dia após Câmara barrar segunda acusação formal da PGR; peemedebista diz que ‘agora, é avançar’

Por: Carla Araújo / Felipe Frazão

 

Carla Araújo

Felipe Frazão / BRASÍLIA

 

No dia seguinte da votação que suspendeu a denúncia por obstrução da Justiça e organização criminosa, o presidente Michel Temer divulgou um vídeo no qual afirma que a “verdade venceu” e que agora é hora de focar no crescimento do País. Na peça, divulgada pelas redes sociais, o presidente disse que durante toda a tramitação da denúncia dedicou parte de sua agenda no corpo a corpo com os parlamentares, agradeceu a cada “deputado e deputada” que ajudou a barrar a denúncia por 251 votos a 233.

“O Brasil é sempre maior do que qualquer desafio e ficou ainda mais forte depois de ter suas instituições testadas de forma dramática nos últimos meses. No fim, a verdade venceu. Prevaleceram as garantias individuais e institucionais da nossa Constituição”, disse o presidente.

Temer, que terá o desafio de reorganizar sua base aliada, focou boa parte de sua mensagem na tentativa de impor uma agenda de retomada da economia e prometeu fazer “ainda mais”, “com a ajuda do Congresso”. “Quero até aproveitar para agradecer às deputadas e aos deputados que na votação de ontem ( anteontem) reafirmaram o compromisso comigo e com o nosso governo”, disse.

Conforme antecipou o Estado no domingo passado, Temer reforçou o bordão de que “agora, é avançar”. “A todos que mantêm a fé no Brasil, a hora é agora. É hora de transformar o País e superar nossos desafios. Agora, é avançar. Vamos continuar a trabalhar, com determinação.”

Como faz rotineiramente nos discursos, o presidente destacou os indicadores macroeconômicos, como a redução da inflação e dos juros desde que assumiu o Palácio do Planalto após a cassação de Dilma Rousseff. Temer afirmou que seu compromisso é tornar o País ainda mais respeitado para atrair investidores. “A normalidade do País nunca foi afetada e agora prossegue ainda mais forte. A verdade dos dados econômicos revela a face real do meu governo”, afirmou.

 

Suposta crise. À tarde, em um evento restrito a autoridades, e transmitido nas redes sociais do presidente, Temer afirmou que o País não parou e classificou como “suposta crise política” os reflexos das denúncias – a primeira, por corrupção passiva, foi derrubada em agosto e a segunda, por obstrução da Justiça e organização criminosa, anteontem. O ex-procurador-geral Rodrigo Janot embasou as acusações nas delações de executivos do Grupo J&F e do corretor Lúcio Funaro, apontado como operador do PMDB.

“Assumimos o País com recessão e caminhamos de tal forma que neste momento, vejam que nestes últimos cinco, seis meses, sem embargo de uma suposta crise política, que penso tenha final no dia de ontem, ( anteontem) o Brasil não parou”, disse Temer, ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem ele tenta se reaproximar.

Na cerimônia, na qual anunciou que a Caixa Econômica Federal destinou R$ 652 milhões para obras no Rio, berço político de Maia, Temer fez afagos ao parlamentar. “Aliás, me lembrou muito bem o Rodrigo que, estando eu no exterior, ele teve, digamos assim, a alegria patriótica, já que é do Rio de Janeiro, de assinar o projeto de recuperação fiscal, a autorização para a recuperação fiscal do Rio de Janeiro”, disse.

Temer tenta uma reaproximação com Maia após uma escalada de tensão entre os dois nos períodos que antecederam as votações das denúncias. Em entrevista ao blog do jornalista Josias de Souza, do UOL, Maia defendeu uma reforma ministerial para que Temer recomponha a sua base. “Tem muitos partidos demandando isso”, disse.

 

 

Vitória

O Brasil é sempre maior do que qualquer desafio e ficou ainda mais forte depois de ter suas instituições testadas de forma dramática nos últimos meses. No fim, a verdade venceu."

Michel Temer

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 

 

 

 

Com sonda, Temer cumpre agenda pública

Presidente contraria recomendação médica e trabalhou meio expediente no Palácio do Planalto
Por: Carla Araújo / Felipe Frazão

 

BRASÍLIA

 

Contrariando recomendação médica de repouso, o presidente Michel Temer, mesmo com uma sonda, cumpriu meio expediente ontem no Palácio do Planalto. Submetido anteontem a um procedimento para desobstrução do canal da bexiga, Temer chegou a ensaiar a gravação de um vídeo para falar de seu estado de saúde, mas optou apenas por uma postagem nas redes sociais agradecendo à equipe médica que o atendeu.

“Agradeço aos militares da equipe médica e integrantes do HMAB (Hospital Militar de Área de Brasília) pela dedicação e atenção que tiveram enquanto estive no hospital”, escreveu. “Os médicos me recomendaram desacelerar, mas temos muito o que fazer. Já estou no Planalto, cumprindo agenda. Vamos em frente”, completou Temer.

O presidente foi internado anteontem após mal-estar e teve alta no mesmo dia. Segundo auxiliares, apesar de não ter acompanhado a votação que derrubou a denúncia por obstrução da Justiça e organização criminosa, Temer foi informado do resultado. Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, disse que conversou diversas vezes com o presidente ao longo da sessão, que ele estava bem, mas o descanso era necessário. O presidente, de 77 anos, ficou em casa pela manhã, embora sem o descanso recomendado. Recebeu assessores e gravou um vídeo comentando o resultado da votação da Câmara .

Por volta do meio-dia o presidente chegou ao Planalto e permaneceu até as 17 horas. Antes de retornar ao Jaburu, ele teve sete compromissos. Hoje, o presidente não tem compromissos agendados, apenas a previsão de despachos internos pela manhã. Ele cancelou uma viagem que faria ao Acre para debater projetos de segurança pública. A expectativa é de que Temer viaje a São Paulo para, possivelmente, passar por exames no Hospital Sírio-Libanês e ter avaliada a retirada da sonda./ C.A. e F.F

 

 

 

 

 

 

Barroso intima PF a formular perguntas para peemedebista

Por: Rafael Moraes Moura / Breno Pires

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou a Polícia Federal para formular perguntas que deverão ser encaminhadas por escrito ao presidente Michel Temer no inquérito no qual o peemedebista é investigado por suspeitas em um decreto relacionado ao setor portuário.

Temer optou por não depor pessoalmente, e sim apresentar respostas por escrito às perguntas que lhe forem feitas. “Ocorre que a autoridade policial ainda não apresentou nos autos as perguntas que serão formuladas à Sua Excelência, o senhor presidente da República”, afirmou Barroso em seu despacho.

O inquérito apura se a Rodrimar, empresa que opera no Porto de Santos, foi beneficiada pelo decreto assinado por Temer em maio, que ampliou de 25 para 35 anos as concessões do setor, prorrogáveis por até 70 anos.

São investigados também Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-assessor de Temer e ex-deputado federal, e Antônio Celso Grecco e Ricardo Conrado Mesquita, respectivamente, dono e diretor da Rodrimar. Todos negam irregularidades.  / RAFAEL MORAES MOURA e BRENO PIRES

 

 

 

 

 

 

 

A hora e a vez do governo compartilhado

Por: João Domingos

 

ANÁLISE: João Domingos

 

Na entrevista que concedeu logo depois do encerramento da sessão que mandou a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer para o arquivo, anteontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), praticamente apresentou um programa de governo.

Disse, entre outras coisas, que está muito afinado com as posições do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que é preciso fazer a reforma da Previdência enxuta, centrando-se na idade mínima e na mudança do sistema público, manter o foco nas políticas sociais, e aprovar, com urgência, projetos para melhorar a segurança pública.

Que Maia já vinha se mostrando disposto a compartilhar o governo com Michel Temer, isso todo mundo já sabia. Só não se esperava que apresentasse sua plataforma de trabalho tão rapidamente, emendada com a sessão que vetou a abertura da investigação contra o presidente.

Maia, embora tenha alguns desentendimentos públicos com Temer e com alguns ministros, tem sido um aliado fiel do governo, por identidade programática.

Ao contrário de muitos senadores e deputados, ele já percebeu que defender reformas na economia, reduzir privilégios e diminuir o tamanho do Estado, pode render votos. Tentará, então, passar para a sociedade, a imagem de um reformista, de alguém que foi muito importante para que o governo tivesse êxito em alguns de seus projetos.

Temer não dispõe de outra saída a não ser aceitar que Rodrigo Maia faça uma administração parceira, um parlamentarismo na marra. Se o presidente da República recusar a intromissão do presidente da Câmara, corre o risco de não conseguir aprovar mais nada e passa a ter um governo nulo. Se aceitar a ajuda, pelo menos pode dizer que fez um governo congressual, como sempre quis, e que durante sua gestão tocou projetos importantes.