Valor econômico, v. 17, n. 4351, 29/09/2017. Brasil, p. A5.

 

 

Tucano ligado a Aécio fica com relatoria de denúncia na CCJ

Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto

29/09/2017

 

 

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), anunciou que o deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG), aliado do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e um dos mais antigos da Câmara dos Deputados, será o relator da denúncia contra o presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pelos crimes de obstrução de justiça e organização criminosa.

Em seu décimo mandato como deputado federal, o tucano votou contra a admissibilidade da denúncia por corrupção passiva contra o presidente encaminhada pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O tucano foi escolhido para assumir a relatoria mesmo após reiterados pedidos do líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Tripoli (SP), do coordenador da bancada na CCJ, Betinho Gomes (PE), e do próprio Aécio para que o relator não fosse de seu partido, que está dividido.

Pacheco, contudo, disse que Bonifácio tem experiência e independência suficiente para fazer a avaliação técnica e jurídica da denúncia. Afirmou que chegou a dizer a integrantes do PSDB que não indicaria ninguém do partido, mas que o convite ao deputado foi anterior a essas conversas e que só recebeu ontem a resposta positiva. Tucanos tentavam à noite convencer o correligionário a desistir da função.

Descendente do estadista José Bonifácio de Andrada e Silva, o "patriarca da independência", ganhou sua primeira eleição quando foi candidato a vereador pela UDN, em Barbacena, Minas Gerais, em 1954. Depois disso, foi eleito por cinco vezes como deputado estadual. Formado em direito e com doutorado em direito público, integrou partidos como a UDN, a Arena e o PTB. É empresário do setor de ensino.

Representando a quinta geração de sua família no Parlamento, foi candidato ã vice-presidência da República em 1989 na chapa encabeçada pelo deputado Paulo Maluf (PP-SP). Uma das curiosidades que cerca a escolha de seu nome para a relatoria da denúncia é que um de seus filhos, José Bonifácio Borges de Andrada, era vice-procurador-geral da República de Janot, autor do pedido de investigação contra o presidente e os ministros.

A indicação de Bonifácio pegou os tucanos de surpresa porque eles contavam com o compromisso de Pacheco de não nomear um parlamentar do PSDB para a tarefa. Segundo apurou o Valor, o relator teria conversado com Tripoli no dia anterior e garantido ao líder da legenda que declinaria se fosse convidado.

Para a deputada Shéridan (PSDB-RR), a escolha coloca o PSDB em uma posição complicada. "Se ele mantiver a posição que teve na primeira denúncia, será constrangedor para os tucanos contrários a Temer que terão que votar contra o relatório de outro parlamentar do PSDB", disse. Ao rejeitar a primeira acusação contra o presidente, Andrada não usou argumentos jurídicos: disse que votava "pelas instituições e pelo progresso".

A indicação do relator foi classificada pelo deputado Daniel Coelho (PSDB-PE), um dos cabeças-pretas mais atuantes contra Temer, como uma "estratégia burra do governo" na tentativa de constranger o partido. "Cria um ambiente de confronto dentro do PSDB e aumenta o racha do partido", disse. Já para um dos vice-líderes do governo, deputado Beto Mansur (PRB-SP), Bonifácio, "com sua experiência e qualificação", poderá mudar votos dos tucanos que são contrários ao governo, mas que consideram que a denúncia tem fragilidades que a impedem de prosperar.

Para o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), único na Câmara com mais mandatos que Bonifácio, o colega é muito preparado juridicamente e não é "cooptável". O voto contrário à primeira denúncia pode não se repetir, avalia, por causa do peso do nome da família do tucano. "Vamos ver como ele analisa agora. Essa denúncia do [ex-procurador-geral da República Rodrigo] Janot será transformada em trecho da história do Brasil", afirmou.