Valor econômico, v. 17, n. 4351, 29/09/2017. Política, p. A6.

 

 

Ação nas mãos de Fachin pode ser solução para crise

Luísa Martins

29/09/2017

 

 

Com a decisão do Senado de adiar para terça-feira a votação sobre o afastamento e o recolhimento domiciliar noturno de Aécio Neves (PSDB-MG) - medidas determinadas nesta semana pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) -, Congresso Nacional e Judiciário tentam costurar uma solução para a crise que se instalou entre os Poderes. A hipótese de desenlace que mais tem dominado as conversas sobre o assunto - e a que mais agrada à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia - é a de que o caso passe novamente pelo crivo do STF, desta vez em plenário, por meio do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que está há quase dois meses parada no gabinete do ministro Edson Fachin.

A ação, da qual ele é o relator, solicita que as medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal como diversas à prisão - o recolhimento noturno, por exemplo -, quando aplicadas a parlamentares, sejam submetidas ao aval do Congresso em um prazo de 24 horas, assim como já acontece na hipótese de decreto de prisão. Isso permitiria ao Supremo rever a decisão da Primeira Turma, considerada inconstitucional pelos senadores, colocando um fim à polêmica. Ajuizado em maio do ano passado pelos partidos PP, PSC e SD, o processo não tem previsão de liberação por Fachin - ele ainda está analisando os autos. Só depois disso é que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, poderia marcar a data da sessão. O adiamento da decisão do Senado para terça-feira dará tempo para que as duas instituições possam encaminhar soluções sem se afrontarem.

Cármen Lúcia garante que dará prioridade ao processo. "Se Deus quiser, será em breve. Seria muito bom que essa ação fosse julgada prontamente", afirmou, no início da noite de ontem. Ela minimizou, porém, a existência de um desgaste entre os Poderes: "Estamos numa boa", resumiu.

De acordo com fontes ouvidas pelo Valor, agilizar os trâmites para levar essa ação à apreciação dos 11 ministros seria o desfecho "perfeito" para evitar confronto entre Senado e Supremo. Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello - que foi contra a aplicação das medidas restritivas ao tucano - também afirmou que "será muito bom" levar a ADI a plenário. Para ele, a crise institucional entre os Poderes é grave, mas tem boas chances de ser "suplantada pela democracia".

As legendas que impetraram a ação argumentam que qualquer medida judicial que tenha potencial para, ainda que parcialmente, interferir no exercício do mandato parlamentar deve ser objeto de deliberação pelo Legislativo.

O voto de Luiz Fux no julgamento de Aécio Neves foi o ponto-chave para um clima de desconforto entre Senado e STF - o discurso aborreceu, inclusive, integrantes da própria Corte. O entendimento é o de que sua fala, além de mais política do que jurídica, "foi além da conta", pois apelou à ironia.

Responsável por desempatar o placar, Fux afirmou que o senador deveria ter tido "grandeza" de se licenciar do mandato quando surgiram as acusações ligadas às delações do grupo J&F. "Já que ele não teve esse gesto, nós vamos auxiliá-lo", disse, seguindo o ministro Luís Roberto Barroso acompanhado também por Rosa Weber.

Juízes e senadores falaram ao Valor que a decisão foi açodada e que os três ministros vencedores quiseram "fazer média com a população" - mesmo argumento utilizado por Gilmar Mendes, que não participou do julgamento mas tem sido claro sobre sua discordância. Na avaliação deles, estabelecer o afastamento e o recolhimento noturno a Aécio é desnecessário, já que, inevitavelmente, ele tem "encontros marcados com a lei": é o terceiro senador com mais processos em curso no STF (12), atrás apenas dos pemedebistas Romero Jucá (14) e Renan Calheiros (18).

Cármen, que tem enfrentado uma gestão de episódios turbulentos, como as delações de executivos da Odebrecht e da JBS, reuniu-se ontem com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na saída, ele afirmou que foi criado um "vácuo legal", pois não há regras claras sobre como proceder em casos de um parlamentar ter de cumprir medidas cautelares alternativas à prisão.

Valor apurou que Cármen disse a Maia que, assim como na ocasião em que Marco Aurélio afastou Renan da presidência do Senado, ela também foi surpreendida no caso das medidas estabelecidas para Aécio. Ela não especificou, porém, se considerou ou não correto o resultado do julgamento da Primeira Turma.

Aécio é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de corrupção passiva e obstrução à justiça, por ter pedido propina de R$ 2 milhões à JBS e ter tentado atrapalhar as investigações.