O globo, n.30828 , 01/01/2018. PAÍS, p.3

OS ‘NOTÁVEIS’ DE TEMER

EDUARDO BARRETTO

 
 
 
Governo abre 2018 com ministério bem diferente do prometido quando presidente assumiu Mesmo com promessa de reduzir pastas, ministérios subiram de 25 para 28 durante o governo Temer

O presidente Michel Temer chega ao primeiro dia de seu último ano de mandato com um ministério bem diferente daquele prometido quando ele assumiu o Planalto. Os “notáveis” deram espaço a políticos, o número de pastas aumentou durante o governo, ministros denunciados continuaram no cargo e líderes partidários foram trocados por parlamentares do baixo clero. Em abril, o desenho ministerial deve mudar por causa das eleições, já que esse é o limite para a permanência à frente das pastas de quem desejar ser candidato. A cara do ministério continuará mudando, porque mais de uma dezena de ministros, cerca de metade, deve ser dispensada até abril, com planos de disputar eleições. Um deles deve ser o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O chefe da equipe econômica é um dos nomes do governo para se candidatar à Presidência, ainda que tenha índices incipientes de intenção de voto. Os outros prováveis postulantes terão o mandato encerrado no ano que vem e precisarão buscar reeleição. Isso garante a manutenção do foro privilegiado e é estratégico no contexto da Operação Lava-Jato, que atingiu parte considerável do mundo político.

O plano original de Temer era que a maioria dos ministros-candidatos saísse ainda em novembro, com o desembarque tucano deflagrado pela demissão de Bruno Araújo (Cidades), do PSDB. Não deu certo. A pressão partidária foi maior para que os pré-candidatos continuassem sob os holofotes e estrutura da máquina pública e ações de governo.

O AVANÇO DO BAIXO CLERO

Temer já está fazendo substituições que dão uma mostra de como deve ser o novo desenho ministerial durante a campanha: parlamentares de baixa expressão que abriram mão das urnas. Assumirá o Ministério do Trabalho, esta semana, o deputado Pedro Fernandes (PTB-MA). Ele entra no lugar do deputado correligionário Ronaldo Nogueira (PR), que pedirá votos no ano que vem. Já no Palácio do Planalto, há menos de um mês, o ministro responsável pela articulação com o Congresso passou a ser o deputado Carlos Marun (PMDB-MS). O perfil dos dois parlamentares de baixa expressão — são parte do grupo conhecido como “baixo clero” — contrasta com a composição inicial da Esplanada da gestão do presidente Michel Temer. No ano passado, nomes partidários nacionais tinham mais ênfase na equipe. Era o caso do presidente nacional do PMDB, o senador Romero Jucá (RR), que era ministro do Planejamento, e dos correligionários Geddel Vieira Lima, na Secretaria de Governo, e Henrique Alves, no Turismo. Entre os tucanos, o Itamaraty ficou com o senador José Serra (SP), ao passo que Cidades foi posta sob a batuta do deputado Bruno Araújo (PE), que deu o voto decisivo para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A despeito de Michel Temer ter prometido, no discurso de posse como presidente interino, enxugar a máquina estatal como “a primeira medida” para reequilibrar as contas públicas do governo, a Esplanada dos Ministérios inchou no governo Temer: de 25 para 28 pastas. Logo no primeiro mês de gestão veio o primeiro aumento na equipe ministerial. Michel Temer havia anexado a Cultura à Educação, mas recuou e recriou o Ministério da Cultura, depois de protestos vindos da classe artística. O Palácio do Planalto segurou a criação dos dois últimos ministérios — Secretaria Geral e Direitos Humanos — a tempo de enviar mensagem ao Congresso no começo do ano legislativo, em fevereiro. Poucas horas antes de estabelecer as duas pastas, Temer se gabou aos parlamentares de ter reduzido a Esplanada de 39 para 26 pastas no capítulo “modernização do Estado”. Contudo, as cifras foram infladas. A ex-presidente Dilma Rousseff chegou a ter 39 ministérios, recorde desde a redemocratização, mas foi afastada da Presidência com 32. E Temer passou a ter, assim, 28 pastas.

Os dois novos ministérios foram envolvidos em polêmicas. Enquanto a Secretaria Geral garantiu foro privilegiado a Moreira Franco quando ele já era citado em delações da Odebrecht e o livrou da primeira instância judicial, a titular dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, pediu para furar o teto salarial constitucional alegando trabalho escravo. Além de pleitear acumular rendimentos de ministra com desembargadora aposentada, Luislinda queria que o governo lhe pagasse mais de R$ 300 mil retroativamente. No papel, a ideia era fazer um ministério de “notáveis”, isto é, com ministros de qualificação técnica reconhecida e sem marcas fisiológicas de trocar cargos por votos no Congresso. O apetite de parlamentares — boa parte, como a sigla do presidente, egressa da base de Dilma — em troca de sustentação política para o governo interino se impôs e fez com que o plano naufragasse. Como a quantidade de ministérios caiu em relação à gestão petista, também diminuiu o espaço para abrigar aliados.

— Quando começou a montagem do governo, diziam: “Nós queremos nomear só ministros distinguidos na sua profissão em todo o Brasil, reconhecidos, os chamados notáveis”. Aí nós ensaiamos uma conversa de convidar um médico famoso em São Paulo, até se propagou, ele ia ser o ministro da Saúde — declarou o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, em fevereiro, durante palestra a funcionários da Caixa. Ele se referia ao médico Raul Cutait, que seria nomeado para chefiar o maior orçamento da Esplanada. O escolhido, contudo, foi o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que deve disputar algum cargo nas eleições de 2018, assim como o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM). Já o comando do Ministério da Indústria e Comércio Exterior foi delegado para o pastor Marcos Pereira, presidente do PRB. — Aí nós fomos conversar com o PP. “Olha, o Ministério da Saúde é de vocês, mas nós gostaríamos de ter um ministro da Saúde”. Depois eles mandaram um recado por mim: “Não, diz para o presidente que nosso notável é o deputado Ricardo Barros”. Eu fui lá falei com o presidente: “Nós não temos alternativa” — completou Padilha. À época, a declaração lhe custou um processo na Comissão de Ética da Presidência. O colegiado fez uma advertência ao ministro palaciano para que “redobre os cuidados em manifestações de cunho político”. Mudou também a régua para lidar com acusações. O recuo de Temer em relação a ministros investigados pode ser exemplificado em três atos. Em 15 de maio de 2016, três dias após iniciar o governo interino, o presidente disse que demitiria o ministro que estivesse envolvido em “irregularidades administrativas”, um termo genérico que abria espaço para sacar subordinados por diversos motivos. Já em fevereiro deste ano, fez um pronunciamento para anunciar que ministros denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) seriam afastados provisoriamente e, ao se tornarem réus, seriam exonerados. A linha de corte ficava clara.

“ESTANCAR A SANGRIA”

— O governo não quer blindar ninguém, nem vai blindar — anunciou o presidente. Contudo, no segundo semestre, depois de ele mesmo ser denunciado criminalmente na esteira das delações da JBS, dois ministros de dentro do Planalto também foram alvo de denúncia, mas seguiram no posto e, consequentemente, com foro privilegiado: Padilha e Moreira. Jucá ficou menos de duas semanas na pasta. Ele saiu do ministério após defender, em uma gravação feita por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, “estancar a sangria” da Lava-Jato. Dali a um mês, Alves pediu demissão depois de ser citado na delação de Machado. Geddel, por sua vez, abandonou a cadeira acusado pelo então colega de Esplanada Marcelo Calero, da Cultura, de lhe pressionar para favorecer interesses pessoais, com a liberação de um prédio em área tombada de Salvador. Geddel e Alves estão presos no âmbito da Lava-Jato. Ministério responsável por fiscalizar, prevenir e combater corrupção no governo, a Transparência está com chefe interino, Wagner Rosário, há sete meses. A pasta também perdeu o ministro no início da gestão Temer, com menos de três semanas: Fabiano Silveira. Ele apareceu em outra gravação de Sérgio Machado, antes de assumir a pasta, orientando o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a não antecipar informações à PGR na Lava-Jato.