Valor econômico, v. 17, n. 4351, 29/09/2017. Opinião, p. A10.

 

 

Transparência monetária, que tal?

Ricardo de Menezes Barboza e João Marco Cunha

29/09/2017

 

 

A estabilidade de preços é um bem público e, via de regra, Bancos Centrais são as instituições responsáveis por sua provisão, na condição de operadores da política monetária. Seu principal instrumento é a taxa básica de juros, que influencia no grau de aquecimento da economia e do mercado de trabalho e, com isso, empurra a inflação para a meta pré-estabelecida. A política monetária tem, portanto, um papel fundamental na determinação dos ciclos econômicos.

Há gigantesca evidência empírica internacional sobre o assunto e não é diferente no Brasil. O fato de a grande maioria dos analistas econômicos brasileiros creditarem à política monetária papel relevante na recuperação em curso reforça a importância das ações do Banco Central.

Ocorre que, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, observa-se uma enorme defasagem no funcionamento da política monetária. As estimativas disponíveis sugerem que um impulso monetário tem impacto máximo na inflação com um intervalo de 18 a 24 meses (ver gráfico), ainda que os efeitos iniciais já aconteçam bem antes disso. Isso quer dizer que a política monetária atua com base em golpes preventivos, antecipando-se a pressões inflacionárias futuras. Grosso modo, se a inflação esperada lá na frente encontrar-se acima (abaixo) da meta, o BC deve hoje aumentar (reduzir) a taxa de juros.

Vejamos um exemplo. Após a última reunião do Copom, o Banco Central divulgou em sua Nota do Copom uma projeção de inflação de 4,4% para 2018 no chamado cenário de mercado, que utiliza como premissas para câmbio e juros os valores medianos extraídos da Pesquisa Focus. Essa projeção, levemente abaixo da meta para 2018 (4,5%), sugere que há espaço para alguma (pequena, é verdade) flexibilização adicional da política monetária.

Modelos do BC erram, em média, mais que os do mercado e erro é maior para diferentes horizontes de projeção

Como a trajetória de juros embutida no cenário de mercado do BC considerava uma taxa de juros encerrando 2017 em 7,25%, mantendo-se em 7% por quase todo o ano de 2018, e encerrando 2018 em 7,5%, o mercado logo reavaliou as suas projeções, convergindo para 7%, em mediana para o fim de 2017. Há, inclusive, quem espere juros já na casa de 6% até o fim desse ano e início do ano que vem, dados os sinais emitidos pelo BC.

O ponto relevante, contudo, é que projeções de inflação são fundamentais para o manejo da política monetária. A notícia triste é que sabemos pouco sobre os modelos do Banco Central do Brasil. Há alguma divulgação sobre seus modelos, mas muitos detalhes simplesmente não são mencionados, sendo muito difícil replicar exatamente as projeções oficiais.

Mesmo não havendo amplo conhecimento sobre o os modelos do BC, é possível mensurar aproximadamente a qualidade das projeções por eles geradas através das informações divulgadas nos relatórios trimestrais de inflação. Calculamos, pois, os erros de previsão da inflação para o fechamento de cada ano (o corrente, o seguinte e o próximo), dado que o Brasil (ainda) adota metas para o fim de cada ano calendário. Em seguida, comparamos esses erros de previsão com os erros da mediana Focus e os das denominadas "instituições top 5", que são as que mais acertam suas previsões. Para evitar injustiças, é bom frisar que as projeções divulgadas pelo BC não correspondem exatamente às projeções da autoridade monetária (pela questão de usar premissas de mercado para câmbio e juros), mas como essas não são divulgadas, esse é o melhor exercício que podemos fazer.

A comparação proposta revela que os modelos do BC erram, em média, mais do que o mercado. Considerando-se todos os dados desde 2003, o erro absoluto médio do BC é maior para diferentes horizontes de projeção. Isso sugere que há espaço para o BC melhorar seu modo de inferir o futuro. Uma maior transparência de seus modelos seria, portanto, muito bem vinda. A economia brasileira teria muito a ganhar caso os modelos do Banco Central pudessem sofrer um amplo escrutínio da comunidade de economistas. Projeções mais precisas significariam menos alterações de juro em vão e menor volatilidade desnecessária da atividade econômica e da inflação.

É evidente que uma maior transparência em relação aos modelos utilizados pela autoridade monetária não significa, de forma alguma, amarrar as suas mãos. É sabido que uma boa condução de política monetária envolve uma relevante dosagem de arte, ou, na linguagem técnica, discricionariedade. A única diferença seria que, com modelos explícitos, as discricionariedades também o seriam e, de preferência, estariam devidamente justificadas na comunicação oficial.

Um efeito colateral positivo da maior transparência em relação aos modelos está relacionada ao fato do Banco Central do Brasil não possuir independência formal, arranjo único dentre todos os praticantes do Regime de Metas de inflação no mundo. Como nossa autoridade monetária está potencialmente sujeita à influência política, a maior transparência seria uma salvaguarda a mais de que a estabilidade dos preços não venha a ser ameaçada pela vontade do governante de plantão. Nesse condão, seria interessante que a sociedade de maneira geral, e os economistas, em particular, pudessem ter um amplo acesso sobre os modelos que servem de base para a autoridade monetária tomar suas decisões.

A explicitação dos modelos por parte da autoridade monetária não é uma ideia nova e nem, tampouco, seria uma jabuticaba caso viesse a ser implementada por aqui. O BC dos Estados Unidos, por exemplo, revela bem mais detalhes sobre seus modelos do que nosso similar nacional. Num momento em que a inflação periga encerrar 2017 abaixo do intervalo de tolerância do regime e num contexto de mais de 13 milhões de desempregados, essa discussão se torna ainda mais bem-vinda. Seria realmente um avanço institucional. Que tal?

Ricardo de Menezes Barboza é mestre em macroeconomia e finanças pela PUC-Rio, mestre em economia pela UFRJ e professor colaborador do Instituto Coppead.

João Marco Cunha é mestre em economia pela FGV-Rio e doutor em engenharia elétrica pela PUC-Rio. Os autores escrevem em caráter estritamente pessoal.