Valor econômico, v. 17, n. 4354, 04/10/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Indústria tropeça, mas não compromete retomada

Bruno Villas Bôas, Thais Carrança e Sergio Lamucci

04/10/2017

 

 

A queda de 0,8% registrada pela produção industrial em agosto em relação a julho, feito o ajuste sazonal, não indica a interrupção da recuperação gradual atualmente em curso no setor. Embora o resultado tenha ficado abaixo das previsões mais pessimistas, a abertura dos números mostra um quadro melhor do que o sugerido pelo recuo do indicador geral, avaliam economistas.

Um dos principais destaques, a alta de 0,5% na produção de bens de capital - quinto avanço consecutivo para a categoria - é vista como um sinal positivo para a retomada do investimento. Analistas avaliam que a formação bruta de capital fixo pode vir no azul já no terceiro trimestre, o que, na visão de alguns, elevaria as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do período e do ano de 2017.

"Na passagem de julho a agosto, o resultado total da indústria é de queda, o que elimina parte do crescimento dos meses anteriores, mas é preciso fazer algum tipo de ressalva porque a queda está concentrada em poucos ramos, especialmente na atividade de alimentos", afirma André Macedo, gerente da Coordenação da Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"É uma acomodação natural após quatro meses de altas na margem e de maneira alguma reverte a tendência de recuperação", diz Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados. Segundo ela, mais importante do que a comparação mensal, mais volátil, é a tendência apontada na base interanual - em relação a agosto de 2016, a produção industrial teve alta de 4%.

Na comparação mensal ajustada, a baixa da atividade industrial em agosto alcançou duas das quatro grandes categorias econômicas - bens intermediários (-1%) e semiduráveis e não duráveis (-0,6%) - e apenas 8 dos 24 ramos pesquisados. A produção de alimentos foi o principal destaque negativo, com recuo de 5,5% frente a julho. Segundo Macedo, a queda no segmento se deve à maior destinação da cana-de-açúcar para produção de álcool, favorecida pelo preço.

Na ponta positiva, a produção de veículos automotores, reboques e carrocerias cresceu 6,2% na base mensal ajustada. O crescimento da produção de automóveis foi o principal responsável pelo aumento de 4,1% da produção de bens duráveis em agosto, frente a julho. Já a produção de caminhões está entre os principais fatores para o avanço de 0,5% de bens de capital, ajudando a compensar queda de 3,8% em máquinas e equipamentos.

"A produção de bens de capital cresceu agora por cinco meses consecutivos a uma elevada taxa mensal média de 2%", destaca Alberto Ramos, do Goldman Sachs. Isso, junto à recuperação nas importações de bens de capital, dá um sinal positivo para o investimento, acredita o economista.

O Itaú destaca também a alta de 0,5% na produção de insumos típicos da construção civil em agosto e a expectativa de que essa cesta mostre variação trimestral positiva no terceiro trimestre. "Junto com as fortes altas da produção de bens de capital, é consistente com crescimento positivo da formação bruta de capital fixo no trimestre", diz o banco.

Se confirmada, a recuperação do investimento aconteceria antes do esperado pelo mercado, diz Marco Caruso, do Banco Pine. Ao colocar os números da indústria e do investimento no seu modelo, o economista calcula que o PIB do terceiro trimestre iria a 0,3%, levando o desempenho de 2017 a uma alta de 0,7%. Atualmente o Pine tem 0,6% para o PIB do ano, considerando um julho a setembro em alta de 0,1%. "As novidades são para o lado positivo, estão surpreendendo nosso número oficial para cima", afirma.

Apesar da queda na comparação mensal, a herança estatística que o resultado da indústria em agosto deixa é de 0,7%, ressalta o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. Isso significa que, se em setembro a produção mantiver o mesmo nível registrado em agosto, a indústria crescerá 0,7% no terceiro trimestre em relação ao segundo, feito o ajuste sazonal.

Para o ano, se a produção ficasse estável ao nível de agosto, o crescimento seria de 2% em relação a 2016. Mas, segundo o Itaú, os primeiros indicadores coincidentes (confiança da indústria, utilização da capacidade instalada, dados semanais de comércio exterior e consumo de energia, prévias do setor de automóveis, entre outros) já sinalizam alta de 0,6% da produção industrial em setembro, retomando a tendência de crescimento gradual.

"Olhando adiante, esperamos que o setor industrial lenta mas gradualmente se beneficie da estabilização da economia, da queda das taxas de juros e melhores condições financeiras, além da recuperação da demanda na Argentina - um mercado estratégico para as exportações brasileiras de manufatura", prevê Ramos, do Goldman Sachs.