Valor econômico, v. 17, n. 4355, 05/10/2017. Política, p. A6.

 

 

Câmara aprova fundo eleitoral de R$ 1,7 bi com dinheiro público

Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro

05/10/2017

 

 

Após uma série de manobras regimentais e desentendimentos entre os partidos, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, em votação simbólica, um bilionário fundo com dinheiro público para pagar as campanhas eleitorais. O fundo privilegiará o repasse aos grandes partidos e concentrará os recursos nas mãos dos atuais dirigentes partidários, o que os críticos acusaram com uma tentativa de aumentar as chances de reeleição dos atuais parlamentares e evitar uma renovação após a Operação Lava-Jato.

O fundo será composto por 30% das emendas impositivas de bancada, gastas com obras de infraestrutura e repasses para Estados e municípios, e com o fim da propaganda partidária em rádio e TV no ano da eleição - a propaganda eleitoral continua existindo. O valor será de, pelo menos, R$ 1,7 bilhão, apesar do déficit primário de R$ 159 bilhões em 2018. Contudo, ainda faltava a análise de vários destaques e, se a votação não terminasse ontem, a aprovação poderia estar comprometida.

PT e PMDB uniram-se a favor da proposta, apoiada também por PP, DEM, PSD, PDT, SD, Podemos, PSC e PEN. Votaram contra a criação do fundo PR, PRB, PSB, Rede, Psol, PPS e PV. Dividido, o PSDB liberou sua bancada - mas, dos 40 tucanos que votaram, 30 foram para que a votação fosse nominal, o que, na hora, significava uma posição contrária ao fundo.

Defensores do fundo fizeram uma manobra regimental para que a votação fosse simbólica, sem registro de como cada deputado votou. Pediram que a votação nominal, que só pode ocorrer a cada uma hora, fosse num requerimento do PHS que pedia justamente para que a votação do fundo fosse nominal - e que foi rejeitado por 226 a 202. Com isso, a votação seguinte para criar o fundo acabou sendo simbólica, diminuindo o desgaste de quem votou a favor.

"É uma vergonha o que estamos fazendo para depois pedir respeito à sociedade brasileira", criticou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). "Voltarei aqui depois da eleição e verei quem fez discurso contra, mas pegou dinheiro do fundo", rebateu Celso Pansera (PMDB-RJ).

A discussão, que ainda não havia se encerrado até o fechamento desta edição, envolvia uma complicada manobra. O Senado aprovou um fundo, mas com regras que não agradavam partidos como PR e PRB, como os critérios de distribuição do dinheiro. Os senadores avisaram, porém, que não votariam qualquer alteração à proposta, por isso os deputados negociaram que o presidente Michel Temer vetará estes trechos.

Para não ficar um vácuo, os deputados aprovaram texto-base do projeto do deputado Vicente Cândido (PT-SP) com mais de uma dezena de mudanças na legislação eleitoral, entre elas uma outra forma de rateio do fundo, que privilegia os parlamentares eleitos, e não o número de votos em 2014. A promessa é Temer vetar as regras do Senado e sancionar o da Câmara ainda hoje.

Para agradar o PR, que articula a criação de um outro partido para atuar como satélite seu, o Muda Brasil, também foi incluída emenda para reduzir de um ano para seis meses antes da eleição o prazo exigido para que novos partidos possam concorrer. O registro da sigla está na pauta de julgamento de hoje do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas eventuais problemas poderiam inviabilizar a fundação.

O projeto de Cândido, que ainda teria mais de 20 destaques votados ontem que poderiam modificar o texto, altera uma série de outros pontos da legislação, muitos para dificultar que candidatos "outsider", de fora da política, tenham espaço em 2018. Outra emenda podia abrir até um "mercado de mandatos", ao permitir que o fundo fosse distribuído de acordo com as atuais bancadas - deputados e senadores que mudassem de partidos levariam consigo valores milionários.

Para frear o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que ocorrerá hoje e pode permitir que pessoas sem filiação partidária disputem eleições, Cândido incluiu texto explícito para proibir essa possibilidade: "Fica vedado o registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária". Havia também regras para restringir doações de pessoas físicas a R$ 10 mil, o que dificultaria a arrecadação dos candidatos que não tiverem o fundo público.