Valor econômico, v. 17, n. 4355, 05/10/2017. Política, p. A8.

 

 

Prazo de inelegibilidade pode retroagir

Cristiane Bonfanti e Luísa Martins

05/10/2017

 

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por 6 votos a 5, que o prazo de oito anos de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa pode retroagir para condenados antes de a lei ter sido criada. Antes da lei, editada em 2010, esse prazo era de apenas três anos. O caso tem repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão servirá de parâmetro para casos semelhantes em trâmite na Justiça em todo o país.

Mesmo com a proclamação do resultado, a ministra Cármen Lúcia retomará a discussão hoje para atender a um pedido de modulação apresentado pelo relator, Ricardo Lewandowski. Esse pedido busca definir a partir de quando uma decisão passa a gerar consequências. Lewandowski explicou que há mais de uma centena de políticos nos Estados e municípios que podem ser prejudicados pela decisão da Corte, inclusive tendo seu mandato cassado. Isso poderia alterar, por exemplo, o coeficiente eleitoral, com impactos já sobre o pleito de 2018, argumentou o ministro.

O voto de minerva de ontem foi o da presidente do tribunal, Cármen Lúcia, que seguiu o entendimento do ministro Luiz Fux, o primeiro entre os magistrados a divergir sobre o tema. No entendimento apresentado por Fux, a discussão sobre inelegibilidade não está na seara do direito penal - que traz o princípio da irretroatividade, segundo o qual a lei não pode retroagir em prejuízo ao agente - e sequer é considerada uma sanção. Segundo o ministro, o regime jurídico das condições de elegibilidade ancora-se em critérios político-legislativos que possuem fundamentos diversos da natureza de sanção. Analfabetos, por exemplo, são inelegíveis e isso não se trata de uma sanção, mas de uma avaliação do constituinte para estabelecer os critérios em que alguém não é elegível, segundo o voto do Fux. "Essa matéria foi exaustivamente analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral, prevalecendo esse entendimento [de retroatividade] de maneira correta", disse Cármen Lúcia.

Além da presidente do Supremo, seguiram o entendimento de Fux os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli. Votaram contra a retroatividade do período de inelegibilidade Lewandowski, relator, e os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Eles defenderam a tese de que o prazo de inelegibilidade não pode ser aplicado a fatos anteriores à vigência da Lei da Ficha Limpa porque isso causaria insegurança jurídica e afrontaria o princípio da "coisa julgada" - quando não cabem mais recursos contra uma decisão.

Especificamente, o recurso em análise foi apresentado por um vereador de Nova Soure, na Bahia, que questionou uma decisão do TSE que manteve o indeferimento do seu registro para concorrer às eleições de 2012. Na época, o tribunal entendeu que o novo prazo de inelegibilidade de oito anos previsto na Lei da Ficha Limpa alcançaria, sim, situações em que o prazo anterior de três anos já tivesse sido cumprido. O vereador havia sido condenado por fatos ocorridos em 2004 e ficou inelegível por três anos. Em 2008, ele se candidatou novamente e foi eleito para mais um mandato na Câmara de Vereadores de Nova Soure. No entanto, nas eleições de 2012, teve seu registro indeferido por conta da nova Lei da Ficha Limpa.